Nossos heróis são aqueles que sobreviveram a um período remoto, quando apenas alguns discos deles haviam passado por nossa vida, e a gente tinha tempo pra ficar vidrado, gastar semanas habitando o mesmo disco. É um grande esforço retroceder àquele modo de ver as coisas - o que é ruim, porque o fanatismo é a verdadeira experiência do pop, não o discernimento e a mente aberta. Penso na devoção esplêndida de todas aquelas meninas animadas, que, assim que têm nas mãos o novo disco do Cure, do New Order ou do Bunnymen, começam imediatamente a decorar as letras e passam dias interpretando exaustivamente as Tábuas da Lei, se esforçando em estabelecer alguma relação entre suas experiências pessoais e o que na verdade é alguma baboseira de bêbado, feita nas coxas em algum momento de folga no estúdio.
Falando sério, eu aprovo. Aprovo a seriedade extrema, a religiosidade, a necessidade de alguma coisa sagrada na vida. Mesmo que seja tudo "ilusão".
Tornou-se um reflexo dos críticos castigar seus leitores por serem partidários, preguiçosos e obsessivos em suas escolhas. Exortamos as pessoas a se desvincular, a descartar e renovar, a adquirir alguma agilidade como consumidores. Mas talvez esse estado ideal de "inconstância" que advogamos apenas sirva ao jogo capitalista, fornecendo-lhe participantes mais aptos. Porque o que faz do rock algo mais do que uma mera indústria, algo que transcende a relação comercial, é a fidelidade, a idéia de relacionamento. Algumas vozes são para nós como o chamado de um amigo, e você não dá as costas aos amigos, se eles desandam. Você fica por perto. Dá um tempo a eles. Pois justamente no ano em que forçamos essa disciplina centrada no texto que é a crítica de rock a incorporar tudo que ela havia excluído por tanto tempo (a relação entre o corpo da estrela e o do fã, a voz, a materialidade da música), talvez seja hora de fazer a crítica lidar com sua negação, "o não-crítico" em si.
Simon Reynolds - Beijar o Céu (p. 29)
Um comentário:
tava doida pra ler esse livro, nunca li
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