sexta-feira, outubro 29, 2010

Por enquanto cantamos
somos belos, bêbados cometas
sempre em bandos de quinze ou de vinte
tomamos cerveja
e queremos carinho
e sonhamos sozinhos
e olhamos estrelas
prevendo o futuro
que não chega

Barão Vermelho

doía pra diabo

doía pra diabo
e eu tentava não pensar
tentava não me martirizar
eu tentava acreditar que ficaria tudo bem
mas eu bem sabia que nunca,
nunca ficaria
tudo bem.

dóia pra diabo
e eu pensava em você
beijando outras bocas
abraçada em outros braços
e eu tive náuseas
e eu tive enjoôs
e eu pensei em me jogar
da janela do quarto andar.
mas nem pra isso essa maldita janela
era alta o suficiente.
nem pra isso eu era
corajoso o suficiente.

doía pra diabo
e eu pensava em mim
bêbado e sozinho
chorando meus prantos
escrevendo porcarias
enquanto você por aí
beijava idiotas
e se divertia.
devia estar tudo bem
isso já tinha me acontecido
uma porrada de vezes
mas a verdade é que nunca ficava
tudo bem.

doía pra diabo
e eu pensava em dormir um sono pesado
e eu nem imaginava mais o que você estava fazendo
quem estava te comendo
que diabos você pensava da vida.
eu só queria ficar quieto.
eu só queria ser esperto o suficiente
pra não pensar mais em você
talvez assim essa porcaria
parasse de doer.

é tão difícil sem você

é tão difícil sem você
é tão difícil acordar e levantar da cama
e imaginar o que você está fazendo
com quem você está saindo
por onde você tem andado.
é tão difícil sem você
é tão difícil pensar em não te ter.
é tão difícil saber que você foi embora
que você me deixou
que tudo acabou.
é tão difícil sem você
é tão difícil precisar de você tão
desesperadamente.
é tão difícil sem você
é tão difícil me sentir sozinho
me sentir quebrado
ao meio.
é tão difícil sem você
é tão difícil pensar que eu sei
que nunca mais vou te ter.
é tão difícil sem você
que fica até
difícil de viver.

Talvez isso fosse mais importante que qualquer outra coisa

Abro uma das duas latas de cerveja da geladeira, coloco uma música do Paul Westerberg pra tocar e fico quieto no quarto. Acendo um cigarro na janela enquanto olho pro resto da cidade, provavelmente dormindo. Pontos de luzes dos prédios e a escuridão da noite. Penso no que a vida me reserva. Indago se a vida ainda reserva alguma coisa. Tenho vontade de sorrir, mas não sei bem porque. Então só fico quieto, bebendo cerveja devagarzinho e ouvindo uma música bonita. Uma versão de These Days do Jackson Browne, uma das músicas mais bonitas que já foram escritas. Fico ali só matutando sobre coisa alguma. Só tentando imaginar o que vai acontecer, tentando imaginar como fazer pra ser feliz, ou pra pelo menos chegar perto disso. Percebo que não sei a resposta. Acho que muita gente deve estar se fazendo a mesma pergunta agora. Quantos pobres diabos ao redor do mundo estão bebendo uma cerveja e fumando um cigarro e pensando em felicidade agora? Centenas, milhares, milhões. Creio que um monte deles. A outra metade está tendo sonhos ou pesadelos. Na maior parte pesadelos. Mas ás vezes as pessoas também tem sonhos. Ás vezes as pessoas tem sonhos bons, não é? E eu acho que pra algumas pessoas esses sonhos se realizam. É no que eu tento acreditar pelo menos. Se eu não acreditar nisso pelo menos algumas vezes nessa vida, eu não acho que vai restar muito mais o que fazer. Talvez nem tenha restado nada o que fazer, mas nós ainda estamos aqui, do mesmo jeito. As garotas estão todas por aí. Um bocado delas deve estar dormindo agora. A outra parte deve estar se agarrando com algum babaca que dirige um carrão bonito e outra parte está dividindo o colchão e roçando as pernas nas pernas de alguém. Talvez os solitários ainda estejam em vantagem. Ás vezes não ter nada a perder é a melhor forma de ganhar. Ás vezes, tudo o que vier é lucro. E se não vier nada, bom, está tudo bem também. Você ainda pode continuar abrindo latinhas e acendendo cigarros de madrugada. Ouvindo músicas bonitas que falam sobre abandono ou solidão ou, essa coisa estranha que chamam de amor. Pelo tanto que falam dessa coisa, devia ser um bocado importante. As pessoas se viciam, como uma droga, porque talvez seja mesmo uma droga. Que diabos é o amor? Inventando palavras pra sentimentos abstratos. Inventando pessoas, inventando situações, inventando qualquer coisa pra lutar. E se não tiver nada pra se lutar? É só ficar quieto olhando as luzes da cidade e pensando no resto da população e em músicas tristes? Acho que sim. Decidi parar de pensar nesse tipo de bobagem. Abri outra latinha e fui ver um filme do Sergio Leone. Era um ótimo western. Grandes filmes ajudavam a esquecer as dores. Talvez isso fosse mais importante que qualquer outra coisa.

quinta-feira, outubro 28, 2010

i've been

i've been praying
all night long
i've been playing
that i'm strong
i've been sounding
like a sad song

i've been waiting
you to come back
i've hoping
you never forget
i've been wanting
you never disappear
i've been wonderin
that you're still near

i've been crying
since you're gone
i've been standing
by the phone
i've been waiting
for you to come back
i've been hoping
you never forget

i've been dreaming
about you being mine
i've been dreaming
our love won't never die
i've been wanderin
about you and me
i've been dreaming
that you're still here

i've been waiting
for you to come back
i've been hoping
you never forget
me

algumas pessoas simplesmente seguem em frente

algumas pessoas simplesmente seguem em frente
algumas pessoas seguem em frente sem fazer nenhum esforço
sem se importar se você está em outro canto da cidade
pensando em suícidio ou tomando um porre sozinho
algumas pessoas simplesmente seguem em frente sem se importar.
algumas pessoas seguem em frente sem nem ao menos imaginar
que é tão difícil.
elas simplesmente seguem em frente, como se tivessem desistido
de um pedaço de pizza.
elas simplesmente seguem em frente como se fechassem
a página de um livro ruim.
mas você não segue em frente
você não vai seguir em frente tão fácil.
outras pessoas não seguem em frente
elas simplesmente padecem e sofrem
e pensam em ligar e em ir embora
pra nunca mais voltar.
algumas pessoas simplesmente seguem em frente
e para elas, não há nenhum mal nisso.
algumas pessoas simplesmente seguem em frente e vão embora
outras pessoas permanecem no mesmo lugar
tentando seguir em frente
simplesmente tentando seguir em frente.
mas de alguma forma elas sabem
que quem seguiu em frente
nunca mais vai
voltar.

quarta-feira, outubro 27, 2010

O problema não são as mulheres. É o tempo que nós temos que esperar entre a que nos deixou e a que está por vir.
Agora está tudo bem
os demônios foram embora
você não precisa mais voltar.

terça-feira, outubro 26, 2010

Se segure quando o terremoto vier

Em algum canto escuro de uma cidade mediana perdida no norte do Paraná eu estava agoniado e embriagado tentando pensar calmamente em soluções pacíficas e tranquilas sobre paz. Eu tentava não pensar em decepções, em garotas que se foram, em falta de dinheiro e de perspectiva de futuro. Naquele momento, eu tentava pensar apenas em matar mais uma cerveja e tranquilizar qualquer ameaça ao estado de calmaria que havia se estabelecido há pouco. E eu estava indo bem. O problema mesmo era conseguir respirar a cada momento. Não que eu tivesse algum problema respiratório ou qualquer outra dificuldade de saúde. Era simplesmente o respirar e aceitar o momento, resignado, ou conformado, ou beatificado, eu não sei. Era muito difícil viver cada segundo. Era um bocado difícil fazer isso e não pensar em coisas ruins. Talvez isso fosse o tal vazio que os budistas meditavam pra achar. De certa maneira eu também estava meditando, ao meu próprio estilo, bebendo uma cerveja e fumando um dos últimos cigarros que ainda me restavam. Eu não tinha nenhuma religião, não acreditava em muitas coisas, mas eu sabia que se espantasse os pensamentos ruins por pelo menos alguns instantes as coisas ficariam bem melhores. Se você deixasse o maldito turbilhão de inconsequencia e angústia te pegar ele não ia te soltar nunca mais. Ele ia te arrastar pro inferno numa violência absurda, e tudo o que você poderia fazer seria erguer as mãos na frente do rosto pra se proteger das porradas. Então tudo o que era preciso ser feito era basicamente respirar. Respirar e não pensar em nada. Principalmente não pensar nela. Não pensar nelas todas. Não pensar em ninguém além de você mesmo e de um espírito embriagado tentando repousar num édem imaginário de paz. Algumas músicas podiam ajudar. Pensei em algumas delas, e em alguns trechos de poemas também. Ajudou. Talvez um poema viesse por aí. Talvez ele estivesse à espreita só esperando eu me levantar e colocar aquela bobagem no papel. Talvez ele me salvasse a vida, fizesse parte de um livro que ganhasse um Jabuti e fosse traduzido pra centenas de línguas. Ou talvez ele só saísse e se conformasse com um destino insólito numa folha de papel ou no próprio computador, à mercê de uma pane virtual tecnólogica que colocasse tudo a perder. Não importava. Ele precisava ser escrito e criar sua própria vida maluca de poema tolo angustiado. Assim tudo ficaria mais calmo. Ou continuaria calmo. E os terremotos não incomodariam esse lado da cidade por um tempo. Talvez eles diminuissem, e quem sabe um dia até cessassem. Era o que era preciso ser feito. Era o que eu iria fazer, logo depois dessa cerveja e desse cigarro. E talvez mais um de cada pra finalizar com tranquilidade. O vazio da mente. Se segure quando o terremoto vier. Não deixe ele acabar contigo.

Meu coração sangrou na sua mão

te deixo e morro mil vezes...
E sem querer um porquê em nossas vidas
juntos reccuscitamos a aventura de amar
mas a cura é um momento
a cicatriz leva tempo
Somos diferentes pela música que toca
pelo parceiro da dança
pelo tempo
relógio
sem ponteiro
oh, desgoverno do cartão postal
solitário... você
incompreendido
quando for lido por olhos estranhos
no meu penúltimo endereço

você disse "eu te amo"
eu pensei no filho
no parto
em partir

meu bem, você disse "eu te amo"
como se provasse um sorvete
& ainda beijou meu hálito cerveja-calabresa
meu bem
um lobo sempre deixa a janela aberta
quando invade um castelo...

era teu sorriso que queria
era tudo
e não planos domésticos
para o final de milênio...

é preciso libertar o coringa do baralho
e as estátuas armadas do zoológico
é preciso encarar a droga
a pior delas
aquela que não deixa os loucos acordados

não somos tão incapazes
não somos pequenos demais
NADA É PEQUENO DEMAIS!
te digo
revolução da alma sem ego
nem mentira

é preciso conversar com os heróis
os heróis do beco
da dor & do medo
são eles que insistem na doce
sobrevivêndia do lírio

te digo comecemos
comecemos sempre
vamos procurar os demônios
sem lógica
sem cor
sem pressa de errar
não os santos que cansados
estão enjaulados no altar

vamos...
sentir o palhaço que anda ao nosso lado
insistindo na vontade de um dia
sorrir de verdade...

Everton Bortotti
Leonardo Leon

sexta-feira, outubro 22, 2010

andei sozinho
por avenidas movimentadas
todas as pessoas indo e vindo
e no final não indo
a lugar algum.
andei sozinho
pelas ruas da cidade
pensando na felicidade
pensando nas garotas que se foram
pensando nos meus erros tolos.
andei sozinho
por diversos lugares
pensando onde foi que eu perdi
a esperança
de uns tempos melhores
de uns tempos em que as coisas ainda
valiam a pena.
e andei sozinho pelas ruas
mas nunca descobri
porque eu gosto tanto
de andar por aí.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Bêbado, completamente bêbado, só pensando em te ligar.

Bêbado, completamente bêbado, com uma cerveja numa mão e uma dose de uísque on the rocks na mesa, só pensando em te ligar. Eu tava calmo, tava aparentemente tudo bem, eu estava com dois amigos falando amenidades e ouvindo o Clash. Pensei em te ligar, mas eu não tinha como. Pensei em te dizer tudo o que eu pensava quando tava bêbado, mas você já tinha ouvido essa história muitas vezes e não tinha gostado muito do desfecho dela. Continuamos bebendo, doses atrás de doses, latas atrás de latas, completamente bêbados. Fui ao banheiro e vomitei. Tomei um gole de água pra limpar a boca e voltei pra cerveja. Mais uma dose de uísque com gelo, acompanhando mais uma cerveja. Agora é a última dose, eu juro, combinado, acabou o gelo, ninguém quer caubói, certo. Completamente bêbado e pensando em te ligar, mas eu não ia te ligar. Pensei em dizer o quanto era simples tudo o que eu precisava. Eu precisava de você. Precisava que você deitasse comigo na cama e ficasse quieta só ouvindo um disco do Miles Davis e roçando as tuas pernas nas minhas. Queria te abraçar bem forte e passar as mãos nos teus cabelos e ver como tuas pernas são lindas, e ouvir você murmurar alguma coisa de que gosta muito de mim. E isso tudo daria um belo poema. Achamos mais gelo, mais uma dose, agora sim, a última. Chego em casa tropeçando pelas beiradas. Fumo um cigarro e belisco alguma coisa na cozinha. Completamente bêbado e mais uma vez pensando em te ligar. Ligar só mais uma vez, e dizer tudo o que eu tenho pra falar. Ligar pela última vez. Mas eu não liguei. Ao invés disso tomei um copo de água e fui dormir. Talvez eu devesse ter ligado. Talvez não.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Ela quer um homem, não só um garoto

De repente eu sonhei que ia ficar tudo bem. Eu ia parar de ligar, de me importar, e a vida ia simplesmente tomar seu rumo natural reservado por um destino perpicaz e irônico. Quem sabe não acontecesse como num daqueles filmes do Woody Allen, nós dois nos encontrando daqui há uns três anos andando na rua. Eu seria um cara desencanado e bacana pra caramba. Talvez eu tivesse arrumado um emprego legal que pagasse uma boa grana pra eu fazer alguma coisa não-estúpida como na maioria dos empregos normais. Eu ainda ia continuar bebendo, mas agora controladamente, e só bebida de qualidade, e meu ar ia ter um lance meio James Dean que ia te deixar muito arrependida por me fazer de palhaço nos dias de hoje. Talvez eu terei perdido uns quilos e comprado todos os discos dos Beatles. Vou te chamar pra vir até em casa, abrir um vinho e colocar o Revolver pra tocar. Mas você não vai sacar o Revolver, porque você nunca sacou nada de Beatles ou de coisa alguma no que se refere à boa música, e aí cê vai pedir pra trocar pra outra coisa e vai meter alguma coisa besta tipo música eletrônica ou qualquer outra bobagem que você curta. Mas vai estar tudo bem pra mim. Vou encher tua taça e matar a garrafa de vinho no gargalo, mantendo meu espírito juventude transviada à toda, sem perder o charme de nenhuma forma. Vou deixar tua música tocar por algum tempo, só pra te agradar, vou te servir um macarrão ao molho branco que eu terei preparado, e colocar um Frank Sinatra pra tocar. Nós vamos comer e aí eu vou tomar umas duas doses de uísque e te falar sobre as coisas extremamente importantes que eu vou estar fazendo. Vou te contar que publiquei um livro, viajei pro Machu Pichu, visitei uns amigos malucos em Paris e ando com uma série de ocupações interessantes. Você vai abrir a boca e dizer vários "oh's" e "ah's" e "mas que bom, sempre torci por você" e eu vou perguntar o que você vai ter feito, e meio retesada e confusa você vai dizer que muito provavelmente arrumou algum outro emprego babaca, dormiu com uma série de caras babacas e outras coisas desse tipo. Eu vou fingir interesse e dizer que aquilo parece interessante. Você vai se entregar, e vai sair tudo conforme o planejado. A gente vai dormir junto, e eu vou te dizer coisas bestas e apaixonadas pra você achar que eu ainda sou aquele muleque fodido de vinte anos que não acreditava muito na vida e que se arrastava aos teus pés por um tanto de carinho. E você vai pensar que tá tudo bem, porque agora olha só, ele é um homem, ele tem um carro e uma casa, cozinha macarrão, toma vinho, tem emprego, viajou e fez coisas importantes. Agora sim eu posso ficar com ele, ah sim, eu posso, sem dúvidas, agora ele é um cara importante. E na manhã seguinte eu vou levantar antes de você, vou juntar minhas coisas e vou me mandar, e eu acho que provavelmente depois disso a gente nunca mais vai se ver, mas você nunca vai saber que o vinho era roubado da coleção do meu pai, o macarrão eu tinha comprado no restaurante da esquina, o carro e a casa eram emprestados de um amigo, eu não tinha emprego porra nenhuma, continuava bebendo pra danar, estava desempregado e nos últimos dois anos minha única viagem tinha sido pra um camping numa cidade de praia em que choveu a semana inteira e tudo o que a gente fez foi beber uísque barato e jogar baralho. E vitorioso, vou sair com meu ar de James Dean glamouroso e rebelde enquanto você sente pela primeira vez o gosto da rejeição que eu já cansei de experimentar nessa vida de cão. E então você vai entender que eu terei mudado, que agora eu era bom demais pra você, que você não tinha nem uma chance perto das garotas sofisticadas, cultas e corpulentas com quem eu saía. E não muito longe dali, eu vou estar enchendo a cara num boteco escuro, ouvindo um blues no meu mp3 e pensando que no fundo mesmo, eu só queria que você gostasse de quem eu era há três anos atrás, de quem eu sou hoje.

Caroline says that i'm just a toy
she wants a man, not just a boy
Oh, Caroline says, oh, Caroline says


Lou Reed

segunda-feira, outubro 18, 2010

Beijar o céu

Nossos heróis são aqueles que sobreviveram a um período remoto, quando apenas alguns discos deles haviam passado por nossa vida, e a gente tinha tempo pra ficar vidrado, gastar semanas habitando o mesmo disco. É um grande esforço retroceder àquele modo de ver as coisas - o que é ruim, porque o fanatismo é a verdadeira experiência do pop, não o discernimento e a mente aberta. Penso na devoção esplêndida de todas aquelas meninas animadas, que, assim que têm nas mãos o novo disco do Cure, do New Order ou do Bunnymen, começam imediatamente a decorar as letras e passam dias interpretando exaustivamente as Tábuas da Lei, se esforçando em estabelecer alguma relação entre suas experiências pessoais e o que na verdade é alguma baboseira de bêbado, feita nas coxas em algum momento de folga no estúdio.
Falando sério, eu aprovo. Aprovo a seriedade extrema, a religiosidade, a necessidade de alguma coisa sagrada na vida. Mesmo que seja tudo "ilusão".
Tornou-se um reflexo dos críticos castigar seus leitores por serem partidários, preguiçosos e obsessivos em suas escolhas. Exortamos as pessoas a se desvincular, a descartar e renovar, a adquirir alguma agilidade como consumidores. Mas talvez esse estado ideal de "inconstância" que advogamos apenas sirva ao jogo capitalista, fornecendo-lhe participantes mais aptos. Porque o que faz do rock algo mais do que uma mera indústria, algo que transcende a relação comercial, é a fidelidade, a idéia de relacionamento. Algumas vozes são para nós como o chamado de um amigo, e você não dá as costas aos amigos, se eles desandam. Você fica por perto. Dá um tempo a eles. Pois justamente no ano em que forçamos essa disciplina centrada no texto que é a crítica de rock a incorporar tudo que ela havia excluído por tanto tempo (a relação entre o corpo da estrela e o do fã, a voz, a materialidade da música), talvez seja hora de fazer a crítica lidar com sua negação, "o não-crítico" em si.

Simon Reynolds - Beijar o Céu (p. 29)

A Garota de Cassidy

Do pára-brisas viu o verde primaveril dos campos e montes, o brilho amarelo-esverdeado sob o sol. Uma sucessão de maravilhosos aromas pastorais veio flutuando na sua direção elee cheirou a madressilva, a violeta, a forte fragância das folhas de menta. Os deliciosos aromas de primavera no vale do Delaware. Olhou para o prateado do rio reluzindo ao sol, com as brilhantes encostas verdes ao fundo, a praia de Jersey. Era a espécie de visão que sempre tentavam colocar em telas, ou capturar com uma câmara. Mas não podiam ver isso da maneira que ele via. Ele a via de uma maneira que colocava o sabor do néctar em sua boca. Sentia tudo com o elevado e sinuoso sentimento de saber plena e claramente que depois disso, e à parte qualquer coisa, realmente havia alguma coisa pela qual viver.

David Goodis - A Garota de Cassidy (p. 65)

domingo, outubro 17, 2010

Em outro canto da cidade ela provavelmente sorria para outros garotos

Acordo agoniado na manhã de um domingo ensolarado enquanto imagino o que ela está fazendo do outro lado da cidade, em algum canto, com alguma outra pessoa. Ela provavelmente se esbaldou na noite passada, enquanto eu fui à uma festa terrível e fui rejeitado por uma garota bonitinha que tava por lá. Sem problemas, eu não queria tanto a garota bonitinha, eu só queria esquecer essa outra garota perdida em algum canto da cidade. Mando uma mensagem desesperada. "Evitei ao máximo mandar isso, mas sinto sua falta absurdamente." Caraca, que coisa ridícula. Talvez essa tenha sido a mensagem mais patética de todos os tempos. Ela me liga um tempo depois. Tá numa boa, se esbaldou mesmo na noite de ontem, numa boate há pouca distância do lugar ruim em que eu estava. Tem um churrasco, ou coisa do tipo, está muito ocupada e ainda tem que se maquiar e arrumar o cabelo, então depois me liga. Era sempre assim. Acendi um cigarro e tomei um copo de coca-cola pra espantar a ressaca mínima da noite anterior. Uma maldita noite com pouca cerveja, pouca bebida, pouca esperança. Mas o pior era a angústia. Eu ainda tinha semanas e mais semanas pela frente. Eu ainda teria que encarar incontáveis minutos de solidão e angústia. Eu tinha aguentado até ali. Eu acho que já tinha aguentado bastante tempo. Em outro canto da cidade ela provavelmente bebia uma cerveja e dava risada e sorria pra outros garotos. Eu almoçava com a minha mãe, fumava um cigarro e pensava nas maiores catástrofes da humanidade. O mundo era um bocado injusto com as pessoas que ainda tinham alguma consciência. O mundo era um bocado injusto por si só. O mundo era ruim, e nós deveriamos nos acostumar com isso ou sair pela porta mais próxima. Eu só queria saber onde ela ficava, mas eu nem mesmo sabia se ela existia.

sábado, outubro 16, 2010

Não enlouqueça

As coisas não andavam bem. Eu ficava repetindo na minha cabeça, quase como um mantra, "não enlouqueça, não enlouqueça". Eu tentava manter a calma e não cometer nenhuma estupidez. Eu tentava ficar bêbado e não ligar pra ela implorando um pouco de atenção. Pensei que aquilo era a coisa que as mulheres mais desprezassem nos homens. A carência, a solidão. Homens que choravam. Homens que bebiam. Homens que bebiam e choravam e contavam histórias sobre bares e músicas de rock and roll. Homens que ouviam blues sozinhos em quartos escuros. Eu repetia meu mantra e tentava me acalmar. Tentava aceitar que as coisas não eram como deveriam ser, e que talvez só me restasse mesmo esperar. Tentei encarar de frente todos esses pensamentos que atormentavam meu espírito como canivetes afiados. "Não enloqueça, não enlouqueça", eu continuava repetindo, mais e mais vezes, até algum tipo de paz temporária se instalar. Eu só precisava manter a calma, a cabeça no lugar, não pensar em coisas ruins, nunca mais pensar em coisas ruins. Eu só precisava de uns bons dias de solidão pra melhorar minha cabeça, tomar alguns bons porres com uísque e vinho, assistir uma porrada de filmes e ler um romance policial. Nada romântico ou esperançoso, só um romance noir com bares, mistérios e brigas. E depois disso eu faria a barba, colocaria uma roupa bacana, juntaria uns trocados e saíria para conhecer uma nova garota. Era exatamente isso o que eu precisava. Eu era um homem que bebia, que chorava e que escutava blues sozinho no quarto. Talvez isso não fosse de todo mal. Talvez isso fosse a única verdade. "Não enlouqueça, não enlouqueça". Quanta bobagem. Eu não iria enlouquecer. Não nessa vida. Eu não faria nenhuma bobagem por ela nem por nenhuma outra garota. Ora, eu era grande demais pra qualquer coisa dessa. E se ela nem mais ninguém no mundo soubesse o quanto eu era afiado com as palavras, ah, diabos, eles não sabiam o que estavam perdendo. Eu podia não ser muito original, muito lírico ou muito romântico, mas eu escrevia uns poemas danados de bons. Pelo menos eu achava isso quando não tava numa má onda de auto-crítica perversa e destrutiva. "Isso podia muito estar nas páginas dum livro, e esse livro nas estantes dessas livrarias iluminadas de um maldito shopping center", eu falava pra mim mesmo ás vezes. Eu acho que não tinha razão. Era óbvio que não tinha razão. Toda e qualquer pessoa que escreveu um bocado de bobagem também pensava isso. E até onde eu sabia, a grande maioria delas não estava nas livrarias ou nas bibliotecas. Alguns dos bons conseguiam vencer, mas eram poucos. E todos eles com certeza já haviam passado algum tempo tentando não enloquecer. "Não enlouqueça, não enlouqueça". Eu não iria enlouquecer. Eu tinha toda uma semana pra ficar bêbado, ver uns filmes, escutar rock and roll e me reerguer, e era exatamente isso o que eu ia fazer. Pode ter certeza que eu não iria enlouquecer.

É só o mundo rodando em mais uma noite solitária

As paredes do reservado pareciam moles enquanto eu tentava apoiar a mão e não vomitar fora da privada. A coisa ia descendo numa cor arroxeada, mistura de vinho e cerveja. Eu sabia que ia dar naquilo desde a hora que saí de casa. Malditos fermentados. Benditos fermentados. Tudo o que eu queria era sair só pra uma cerveja, mas aí um amigo apareceu com uma garrafa de vinho e dá-lhe bebedeira. Era só o jeito que as coisas aconteciam. Lembrei de estar no carro de um amigo ouvindo os Stooges e me chacoalhando no banco do carona. Selvageria total, baby. Eu queria ser Iggy Pop. O desgraçado era um selvagem de verdade. Eu podia ter sido um astro punk né não? Mas acho que eu estaria mais pra um folk singer solitário com uma gaita e um violão. Mas eu nem diabos sabia tocar violão, e mandava mal na gaitinha que eu tinha comprado há vários anos atrás por uma merreca, numa loja de instrumentos da cidade. Eu não era muito bom em muitas coisas. Na verdade eu não era muito bom em nada, mas esse era o menor dos problemas. Eu ainda conseguia beber e sentar e escrever. Eu não tinha um emprego, eu não tinha muito dinheiro, eu não tinha uma garota, morava com a minha mãe e era sustentado pelas migalhas que meu pai me arranjava. Não era exatamente o tipo de vida que os velhos sonharam pra mim. Tinha largado a faculdade na metade por achar jornalismo uma coisa estúpida e completamente puxa-saco. Eu queria ter sido um escritor, mas eu nunca tinha escrito muita coisa, e nem mesmo tinha enviado nada pra nenhuma editora ou coisa do tipo. Uma vez eu participei dum concurso de contos. Paguei vinte malditos reais e mandei três contos horríveis, e obviamente não ganhei nenhum prêmio, nem uma mísera menção honrosa. Um dos contos era sobre um bêbado psicopata que explodia um bar depois de ser largado pela mulher. O outro era sobre um cara que digiria um velho Chevete ouvindo fitas k7 dos Rolling Stones e rumando pra lugar nenhum. E o outro eu acho que era sobre um cozinheiro maluco que inventava um sanduíche fantástico e não passava a receita pra ninguém, aí um cliente ainda mais maluco ficava obsessivo pra descobrir e tentava todas as receitas possíveis na sua casa. Eram todos contos horríveis, isso era uma certeza. Ainda bem que eu não ganhei né não? Pra quê diabos a fantástica literatura nacional ia perder seu precioso tempo com histórias como essa. Terminei de vomitar, bochechei com água da pia e saí do banheiro. Meu amigo brother já me esperava com uma cerveja em punho. Os verdadeiros amigos sabem do que cê precisa numa hora dessas. Matamos aquela e mais alguns e resolvemos nos mandar. Paramos num carrinho de lanches da avenida e pedimos dois x-salada e uma coca-cola. Na metade do lanche meu estômago embrulhou e passei pro amigo terminar o serviço. Matei a coca-cola fumando um cigarro. Pensei numa entrevista do Jim Morrisson que eu tinha lido onde ele dizia que não curtia água, coca-cola ou suco, e que curtia comer suas refeições com vinho ou cerveja, basicamente isso. E a entrevista foi antes de ele se tornar um bêbado barrigudo anárquico poético-decadente que virou já pro final do Doors. Na época dessa entrevista os Doors ainda tavam no ínicio, tinham lançado só os primeiros discos, já eram famosos e já havia um certo culto ao mojo king, mas nada comparado à mega banda que eles viraram depois. Cara maluco, esse Morrisson. Não é a toa que uma galera ainda usa camisetas com a cara dele, joga garrafas no seu túmulo parisiense e outros juram de pé junto que ele, junto com o rei Elvis Presley, não morreu e tá pelo mundo bebendo uísque e escrevendo poemas. Dizem até que viram ele numa fazendo do Texas ou Arkansas, não lembro direito, acho que vi essa bobagem na internet. E o Paul McCartney já morreu. E aquele rapper, o Tupac, também tá vivo por aí lançando discos inéditos que seriam de supostas "gravações" descobertas em fitas antigas. Se duvidar ele fez isso só pra apagar o tal do Notorious BIG. Bando de doido, isso sim. Terminamos o lanche e fomos pra casa. Coloquei uma música dos Replacements pra ouvir e deitei na cama. O mundo rodava, minha cabeça rodava, mas eu ainda tava ali, parado no mesmo lugar onde eu tinha passado boa parte da minha vida. Talvez o que eu precisasse mesmo era rodar. Rodar de ares, rodar o mundo, rodar o diabo que me carregasse. Talvez eu precisasse de mais um montão de coisas, mas naquela hora só do mundo parar de rodar enquanto eu tentava dormir já estaria de bom tamanho. Não demorou e caí no sono. O mundo continuava rodando, mas eu já não podia mais senti-lo.

quinta-feira, outubro 14, 2010

O quarto membro da festa era alguém que Cassidy nunca vira antes. Uma pequena, frágil e pálida mulher. Parecia andar na casa dos vinte e tantos. Cassidy viu sua singeleza, sua suavidade. Algo bondoso e doce. Algo higiênico. Apesar disso, enquanto ele a observava, quando viu a maneira como ela erguia o copo, soube instantaneamente que ela era uma alcóolatra.
Era evidente. Ele sempre sabia. Eles se entregavam em centenas de pequenos gestos. Ele nunca se sentiu triste por eles porque sempre estava muito ocupado em sentir-se triste por si mesmo. Mas, agora, sentiu uma onda de piedade pela mulher de rosto pálido e cabelos amarelos que sentava ali com Shealy, Pauline e Spann. Convenceu-se de que era importante descobrir quem ela era.

David Goodis
- A Garota de Cassidy (p. 27)

quarta-feira, outubro 13, 2010

eu fico pensando em você

eu fico pensando em você
eu fico pensando em você sempre que eu to sozinho
e eu to quase sempre completamente sozinho.
então eu fico pensando em você.
fico pensando no que eu fiz de errado pra te perder.
fico pensando em como minha vida chegou nesse ponto
nesse ponto baixo, nesse ponto tão
solitário e deprimente.
eu fico pensando em você.
fico pensando em não exagerar
não dramatizar
deixar o tempo passar.
mas ás vezes eu acho
que ele nunca
irá passar.
então eu fico pensando em você
fico pensando em mim e em você
e como fazer esse pensamento desaparecer,
mas acho que nunca vou conseguir.
então eu fico pensando em você
sozinho no meu canto
e fico pensando
se você também pensa
em mim.

Preciso dar um jeito na vida

Preciso dar um jeito na vida
pensou enquanto barbeava-se
e gotas vermelhas
sujavam o branco da pia caótica
respirou fundo e olhou-se no espelho
vendo um vulto
que parecia
um vampiro anêmico
suspirou e bafejou contra o reflexo
um hálito quente
recheados de porres marcioméricos
anomalias urbanas
os dentes em petição de miséria
a língua cega
a garganta escura

Preciso dar um jeito na vida
Sempre pensava assim pela manhã
preciso despertar meu anjo da guarda
implantar leis
ordens
métodos eficientes
preciso religar o telefone dos compromissos
desligar a tv
procurar john fante entre os escombros da abril
preciso dar uma geral nas coronárias
entupidas de angústia precoce
preciso limpar o ego

Preciso dar um jeito na vida
Pensou enquanto sua vida coagulava-se na pia
enquanto planos transformavam-se em espuma
enquanto o shampoo anticaspa arrancava-lhe idéias soberbas
das poucas que resistiam ao tédio inexorável
um filete de sangue saía do nariz
as narinas, um museu de cocaína e fome
tinham fome de mais, mais, mais

Preciso dar um jeito na vida
E a vida evaporou-se com a água do chuveiro
e a blue blade ávida de pulsos
matou a fome
enquanto seus últimos dez batimentos
ecoavam pelos azulejos antiquados
abraçou-se ao vaso sanitário
e viu Deus
e Deus olhou pra ele
chutou sua bunda magra e disse:
Você precisa dar um jeito na vida.

Márcio Américo

terça-feira, outubro 12, 2010

But deep inside my heart I know I can't escape.

Bob Dylan

domingo, outubro 10, 2010

todos os dias
os pequenos demônios vem me visitar.
essas assombrações horríveis
chegam de mansinho, sem falar nem uma
maldita palavra.
e me amedrontam
me amedrontam
me fazem pensar
nas piores coisas do mundo.
me fazem pensar
em mais assombrações.
todos os dias
quando os pequenos demônios vem me visitar
eu tento me esconder embaixo da cama ou
atrás do armário.
mas não adianta.
nunca adiantou.
todos os dias esses
malditos demônios vem me visitar
e me amedrontar
e me mostrar que eu não sou ninguém
que eu não vou vencer.
todos os dias
quando os pequenos demônios vem me visitar
eu fico pensando quando é que será
que os anjos vão vir pra me salvar.

sábado, outubro 09, 2010

vou arranjar um vira-lata e chamá-lo de Joe ou Willie
vou mudar pra uma kit-net e comprar
todos os discos dos Beatles.
vou ter um estoque de bebidas
e vou aprender a fazer lasanha.
vou ler todos os livros do Dostoiévski
e vou parar de fumar.
vou arranjar um emprego que pague as contas.
vou passar as férias em Nova Iorque ou Paris.
vou aprender a tocar baixo de verdade.
vou entrar numa banda e escrever uma dúzia de canções sobre
desilusões amorosas.
vou fazer a barba todos os dias.
vou comprar uma TV de um montão de polegadas.
vou levar meu cachorro Willie ou Joe pra passear.
vou comprar um disco do Charlie Parker e conhecer uma garota que também goste dele.
vou visitar São Francisco algum dia.
vou conversar com Lawrence Ferlinghetti antes dele morrer.
vou escrever uma peça de teatro.
vou trabalhar numa revista.
vou largar as drogas.
vou ver todos os vinte e dois ou vinte e três filmes do James Bond, especialmente os da fase do Sean Connery.
vou dirigir um filme, vou escrever um livro,
talvez compre um carro.
vou pintar umas dúzias de quadros sem sentido.
vou ler algum livro do Edgar Allan Poe.
vou mandar uma carta para um dos filhos do John Fante.
vou visitar Los Angeles e bunker hill
e o túmulo de Charles Bukowski.
vou ter uma grande biblioteca.
vou encontrar meu grande amor.
talvez eu faça tudo isso.
talvez comece
amanhã.

rezo e peço

todo dia eu acordo
e rezo e peço
pra que eu seja atropelado.
todo dia eu acordo
e rezo e peço
pra curar meus pecados.
todo dia eu acordo
e rezo e peço
pra você voltar.
pra você não me abandonar.
todo dia eu acordo
e rezo e peço
pra minha vida mudar.
todo dia eu acordo
todo dia eu acordo
e rezo e peço
rezo e peço
pra nunca mais acordar.
Eu não devia ter te colocado nessa bagunça que é a minha vida.

sexta-feira, outubro 08, 2010

out of the spot
i'm solid as a rock.

o que eu devia fazer

Eu to ferrado baby, e acredite, mais ferrado que isso, só estando morto. Ou vivo, porque estar morto é ainda, acima de tudo, a única libertação que a gente vai encontrar nessa droga de vida. E não adianta vir com papo de amante da vida ao estilo hare-krishna pra cima de mim. Cada um carrega sua cruz, cada um tem sua sina, e eu bem sei que já faz algum tempo que não tenho aguentado a minha. Tudo começou quando... bem, tudo começou há uma porrada de tempo atrás, quando eu me liguei que eu era um pouco diferente de grande parte das pessoas, e na maioria das vezes, era diferente pra pior. Pelo menos eu ainda ganhava deles com meus livros, meus discos e os meus filmes favoritos. Mas acho que aquilo não era grande coisa. Nunca tinha ganho uma garota por dizer que o John Fante era meu escritor favorito e que eu realmente gostava do Lou Reed. Como eles ganhavam as garotas? Eu não sabia, eu nunca ia saber. Eu estava destinado a não saber. Eu estava destinado a sofrer? Ha ha ha. Essa era uma boa piada. Auto-humilhação sempre funcionava muito bem pra idiotas do meu tipo. Na falta de uísque ou uma garota, era isso o que sobrava. Resumidamente: nunca sobrava nada. Como diria o grande Dylan, "quando você não tem nada, você não tem nada a perder", e eu já não tinha nada a perder há muito tempo, baby. Então só o que eu podia fazer era me mandar ou esperar o tempo passar. De qualquer forma ia ser uma decisão muito difícil pra ser tomada sóbrio. Era melhor juntar uma grana, tomar um bom porre e decidir de sopetão. É. Era isso o que eu devia fazer. Era isso o que eu ia fazer. Antes que os demônios aparecessem pra me buscar. Antes que eu insistisse com as idéias babacas de me matar. Antes da vida finalmente me domar. Era isso o que eu devia fazer.

quinta-feira, outubro 07, 2010

sempre tentando espantar os demônios da solidão.
Atravessando em linha reta a noite americana, me bateram vários momentos de lucidez cósmica, instantânea compreensão da minha presença no mundo e do mundo em mim. Aos meus olhos, eu era um santo grogue com o pé no sapato, na calçada, no espaço. Um santo sem milagres nos bolsos vazios.

Reinaldo Moraes - Abacaxi (p. 56)
que coisa triste
essa vida
é mesmo um chiste.

quarta-feira, outubro 06, 2010

Abacaxi

Nessa época eu não aguentava padecer nem cinco minutos de culpa, tédio, tristeza, banzo, angústia, medo, rejeição; eu me rebelava, acendia um charo, ia no cinema, botava um rock na vitrola, batia uma punheta, bebia um bar, qualquer coisa que me ajudasse a catar o porco-espinho à unha. Meu psicanalista, em São Paulo, me recomendava parlamentar com a dor psíquica, nunca fugir dela, pois a dor sempre acha um jeito de te pegar numa curva do rio. Ele tinha razão; mas o que tem com a razão quem quer viver um paraíso a qualquer preço, mesmo que artifical? De vez em quando, eu até encarava uns bodes, claro. Claro não, escuro, negro total. A noite caindo com estrondo surdo no peito, os bodes erguendo a cabeça chifruda do pasto e me encarando com olhos de estrume. É quando o coração pára em diástolo, sangue represado, pressão de mil léguas submarinas no peito, vontade de furar o coração a tiro pra morte jorrar vermelha. Muita lucidez sempre acaba em pânico; eu, então, corregava pra translucidez das drogas e das artes. Sem ofícios. Me favorecia uma circunstância especialíssima de vida: grana fácil no bolso, alguma saúde no corpo, tempo livre. Realidade era a vida dos outros.

Reinaldo Moraes
- Abacaxi (p. 38)
A hipocrisia em mim é apenas uma forma de amor tolerante pela humanidade.

Reinaldo Moraes - Abacaxi (p. 28)

terça-feira, outubro 05, 2010

Dry Londrina

clic clac
saltos lambem a celso garcia
busca de combustível
bruscas falas
grosserias trapaceando diálogos amistosos
a noite desperta
poetas
putas
clockers
sirenes quebram beijos
salve-se quem puder
a gente vai se vê por aí
à noite
todos são meio poetas

Márcio Américo
lamentando numa noite de terça-feira às 21:55.
lamentando num dia de semana como outro qualquer.
lamentando mais um desprezo de mais uma mulher.
lamentando, lamentando
vou vivendo, vou sonhando
acho que agora, eu devia
bolar outro plano
pra me mandar
daqui.
rimas, rimas, rimas
que inferno, baby
você sempre soube
que eu não era de nada.
você sempre soube
que eu era omisso.
e na minha própria cabeça.
e eu também sempre soube disso.

prosa, prosa, prosa
que coisa horrível.
você sempre soube
que eu era
um cara perdido.
você sempre soube
que eu desejava
o impossível.
e agora, o que eu faço?
tudo acabou, ou é escasso.
e dos sonhos
não sobrou nem um pedaço.
que terrível
arraso.
aonde foi que eu errei
nesses últimos anos?
como é que eu fui cometer
tantos enganos?
tão estúpidos
quanto eu
tão estúpidos
quanto assistir televisão
num domingo à tarde.
pensando em garotas
que me deixaram.
pensando em garotas que se foram
e nunca mais voltaram.
pros diabos!
eu devia me mandar
num navio.
eu devia ir mais vezes ao cinema
de preferência
sozinho.
eu devia fazer
um bocado de coisas
mas eu acabo
não fazendo nada.
acho que eu sou só
uma grande piada.
um bêbado insône
rodando pela madrugada.
acho que sou melhor
com um livro na mão
então pros diabos
com a solidão.
dez pra meia-noite me apaixono por meninas
dez pra meia-noite me perco nas esquinas
dez pra meia-noite, pensando em morrer
dez pra meia noite, sonhando com você
dez pra meia-noite, pensando em me mandar
dez pra meia-noite tudo vai
acabar.

vociferando palavras

vociferando palavras
ela diz
que eu não sou de nada.
vociferando palavras
na alta madrugada.
vociferando palavras
e me dizendo
pra deixar de lado
meus sonhos infantis.
pra deixar de lado
o que me faz infeliz.
vociferando palavras
ela me diz
o que eu sempre
quis ouvir.

segunda-feira, outubro 04, 2010

os Byrds tocam no rádio

os Byrds tocam no rádio
enquanto eu, completamente bêbado
faço planos impensados
dentro da minha cabeça
e percebo que se algum dia houve uma chance
bem, esqueça.
dessa vez, não há nada.
de uma forma ou de outra
logo, logo
vem outra garota.
os Byrds tocam no rádio
enquanto eu, completamente bêbado
penso em você
ao meu lado.
é sempre no escuro
que eu penso nas bobagens e nos
mistérios do mundo.

é sempre inseguro
quando eu bebo e dou de cara
com o muro.

e é sempre estranho
quando eu me rendo aos terríveis pensamentos
que me assombram de um jeito tão medonho

e é tão incrível
acordar na casa de um desconhecido
pensando "o que eu fiz pra ser tão sem jeito?
aonde foi parar meu respeito?"

e é tudo isso
uma benção e uma maldição
que te arrebenta com qualquer explicação
de acreditar que sua sina não é errar
de acreditar que alguém ainda vai te amar.
de acreditar que há razão para viver
de acreditar que a sua sina não é sofrer.

e é no final
que você aprende a ser um cara normal
que estar vivo até que não é nada mal.
que tudo isso talvez seja um sinal
pra ser alguém
melhor.

blues dos derrotados

esse é o blues dos derrotados
e eu só sou um mal amado.
se ainda crê em contos de fada,
melhor não ficar do meu lado.

tudo o que eu faço não é pensado
o meu amor não é calculado
sempre me falta um trocado
pra descolar um último trago.

esse é o blues dos derrotados
e eu sou só um cara cansado
de ter o coração quebrado.

te digo que não,
não é verdade o que eles dizem sobre
acreditar na sua razão
quando o que importa é só aquilo
que te acelera o coração.

e eu digo não
quando me dizem que eu sou
o cara errado
que eu fiz tudo parecer mais
estragado
que eu escrevi mais um poema
desolado.

baby eu sou só,
um mal amado
e esse é o blues
dos derrotados.

baby eu sou só,
um derrotado
e esse é o blues
dos mal-amados.