terça-feira, agosto 30, 2011

Kátia costumava aparecer e desaparecer sem motivo aparente. Ela costumava me ligar às duas da manhã e dizer que daria uma passada por aqui. "Tudo bem", eu dizia, e então ela passava e trazia uma garrafa de vinho. Kátia gostava de vinho, e bebíamos ouvindo discos do Cheap Trick na vitrola. Kátia não me deixava tirar sua calcinha. Ás vezes ela me deixava brincar com seus peitos e me dava um ou outro beijo, mas normalmente ela preferia ouvir os discos e reclamar sobre seus relacionamentos frustrados. Kátia era uma chata, mas uma dessas chatas legais. Ela podia falar sobre suas bobagens o tempo todo, mas eu não me importava muito. Ela trazia vinho, eu pedia pizza e normalmente ficava calado, olhando para a parede. Quando estava um pouco mais alto, achava que devia falar. Mas eu nunca falava nada decente, e Kátia costumava pegar no sono muito rápido quando eu tentava explicar pra ela teorias absurdas sobre filmes antigos. Kátia não queria saber se determinado filme esquecido do Woody Allen ou do Fellini eram importantes para mim ou para a história do cinema. Kátia queria saber porque ela não podia ser como as outras garotas e arranjar um bom namorado. Eu também já havia tentado descobrir isso sobre mim, mas havia desistido de procurar a resposta. E além de tudo, acreditava que a paz de ficar sozinho talvez compasse a carência física e tristonha de um sábado a noite ao som de Tom Waits. "É o coração do sábado a noite Kátia, o coração, a garrafa, não importa, é só o coração do sábado a noite!", eu costumava berrar já bêbado para Kátia. Ela não se importava, ela nunca se importava, e acho qeu eu não devia me importar também. Mas, por alguma razão estúpida, eu gostava daquilo. Como também gostava da Kátia, e da pizza, e das garrafas de vinho que ela trazia e que se amontoavam no canto da cozinha no início da manhã de domingo. Eu gostava do coração do sábado a noite, mesmo que ele não tivesse um coração de verdade.
Eu finalmente cheguei lá. Finalmente encontrei um emprego que gosto, em um horário flexível. Finalmente posso me sentar em meu próprio apartamento e ouvir discos contemplando a solidão. Finalmente posso assistir filmes no cinema sem pensar mais em coisa alguma. Mas, se eu finalmente cheguei lá, porque ainda não consigo sentir isso?

Na verdade, tudo continua a mesma coisa. Posso mudar para uma mansão, arranjar o melhor emprego do mundo e ter todo o tempo livre para ir ao cinema, o problema é que essa cabeça em cima dos meus ombros vai continuar sendo a mesma. E tudo o que está dentro dela continuará aqui. Sei que não posso fugir disso, é a única certeza que tenho, depois da indissolúvel certeza absoluta que todos nós temos. Talvez eu esteja esperando apenas pelo final. Talvez eu sempre tenha esperado pelo final e todo o resto tenha sido apenas uma contemplação inútil e sonhadora sobre planos não concretizados.

Dia desses, no ônibus, me peguei pensando no que aconteceria se ele de repente virasse. Tentei acreditar que perderia algo, mas não consegui. Tive certeza de que não perderia nada, então comecei a pensar que talvez eu esteja apenas seguindo meu caminho. Não consigo mais sentir as coisas como outrora. Agora, talvez, seja apenas uma longa estrada para a perdição. Quando um homem perde o medo de perder, está tudo perdido. E eu perdi o medo de perder. E também perdi o medo de descobrir o que há depois. Depois, depois... é só o que vier. E o que vier não poderá mais voltar. Quando isso acontecer, é o fim, simples assim. Outras pessoas morarão neste apartamento, e pegarão o mesmo ônibus, e preencherão minha vaga no emprego e verão outras sessões de cinema que eu não vou mais poder ver. E com o tempo, tudo continuará exatamente igual. O vento soprará pela janela do apartamento, e o novo morador talvez a feche e talvez não repare na bela árvore que eu costumo reparar. A árvore talvez também não esteja mais ali depois de um tempo. E talvez nem mesmo o apartamento. Uma multi-nacional pode demolí-lo e construir um shopping center no lugar. Não me importará mais. Não sei se algum dia já importou. Outros discos tocarão em outros lugares, e um punhado de canções tristes darão algum sentido temporário a outras existências estúpidas. E quando isso acontecer, bem, eu não estarei mais aqui para saber o que acontece. Espero descobrir algo até lá. Se houver algo a ser descoberto. Creio que sim. Espero que sim.

segunda-feira, agosto 29, 2011

- Gostaria de pular tudo isso. Uma grande parte indo embora. Apenas acordar e BAM, me deparar comigo mesmo já no final da vida. Talvez haja uma contemplação absurdamente fantástica nesses tempos finais. Os últimos dias antes de partir devem ser ótimos. Vocês simplesmente aguarda que eles venham e te levem daqui. E aí acabou a dor, a tristeza, a procura pela felicidade e todo o resto. Simples assim, só, acabou.

- Por que você tá dizendo essas coisas?

- Simplesmente porque é verdade. A mais cruel e linda verdade.

- Não creio que a vida seja assim.

- Ela é. E isso é ótimo, não tinha porque ser diferente. Você simplesmente vive, esperando qeu as coisas aconteçam, tentando se esforçar, tentando acreditar, tentando alcançar algo que você nem sabe o que é. E se você consegue, e daí? Você vai querer sair atrás de outra coisa. Não há nada tão belo nisso. É ali no final que a poesia acontece. Você ouve sinfonias perfeitas e o melhor filme do mundo passa na tua frente. É perfeito, simplesmente perfeito.

- Não creio que seja assim.

- Mas é.
as pessoas continuarão vivendo
e os discos continuarão girando
os bares continuarão abertos
e novos filmes serão exibidos nas salas de cinema
e discos serão lançados
espetáculos serão encenados
e bibliotecas continuarão dando alguma esperança
a pessoas sozinhas
que por sua vez, continuarão em pequenos apartamentos
ou em quartos de pensão
ouvindo discos e sonhando
com algo melhor.
a vista da janela é bonita
a uma da manhã
enquanto Leonard Cohen canta
sobre uma garota que o abandonou
assisto a um filme antigo
as paredes do apartamento escuro
brilham com os fotogramas preto e branco
a vista da janela mais bonita do que nunca
a uma da manhã
minha vida passando devagar
enquanto contemplo
os velhos sonhos não realizados
e as músicas tristes
não me deixam esquecer
que talvez ainda há algo aí fora
para mim e pra você.
a vista da janela é exuberante
a uma da manhã.
imagino o que acontecerá
quando amanhecer.
a vista da janela ainda será bonita
e algo me diz que ainda estarei aqui
pensando
em você.

sábado, agosto 27, 2011

all alone in my apartment
listening to the velvet underground
oh god, how i miss someone around.

smoking cigarretes
one after one
oh god, do you think i'm having some fun?

don't need no one
to tell me the truth
just need the life
that i read on books

don't need no one
to tell me what to do next
just need the songs
of my old records

just want someone
to watch for me
someones who's there
who will always be.

don't leave me here all alone
i'm just the guy
waiting for your call
by the phone.
"We're all faced throughout our lives with agonizing decisions, moral choices. Some are on a grand scale, most of these choices are on lesser points. But we define ourselves by the choices we have made. We are, in fact, the sum total of our choices. Events unfold so unpredictably, so unfairly, Human happiness does not seem to be included in the design of creation. it is only we, with our capacity to love that give meaning to the indifferent universe. And yet, most human beings seem to have the ability to keep trying and even try to find joy from simple things, like their family, their work, and from the hope that future generations might understand more."

Woody Allen - Crimes e Pecados

quarta-feira, agosto 17, 2011

Ela achava que eu era um tipo de Jack Kerouac. Ela achava que eu era doce, sonhador e escrevia bem, mas eu não era nada disso, e também não era um tipo de Jack Kerouac. Tambem não era um tipo de Bukowski, ou de John Fante, ou de Rubem Fonsenca, ou de qualquer outro escritor. Eu era um tipo de Rick Nicoletti, O tipo de Rick Nicoletti, e isso não era necessariamente algo bom.

Ela sabia que eu trabalha em uma revista cretina de música e tentava encaixar matérias sobre Elvis e Ryan Adams no meio de matérias sobre Lady Gaga e Blink 182. Ela também sabia que eu cortava o dedo abrindo garrafas de cerveja e enrolava papéis higiênicos enquanto o sangue escorria pelo chão e um disco de Dexter Gordon ecoava pela pequena kitnet vazia.

Ela sabia que eu sonhava com algo diferente, mas que também não sabia com o que eu sonhava. Ela sabia que Rick Nicoletti gostaria de fazer alguns filmes à la Jarmusch, umas músicas à la Van Morrison e uns poemas a là Rimbaud, mas ela também sabia que eu não ia conseguir fazer nada disso.

Ela sabia que eu era Rick Nicoletti, e isso era incrivelmente bom e terrívelmente ruim. Ela sabia que Rick Nicoletti gostaria de ficar trancado em casa sem falar sobre coisa algumaa. E ler livros antigos e beber cerveja. Ela sabia de tudo isso, e talvez este seja o grande motivo pelo qual ela se afastou. Eu não a culpo, eu nunca vou a culpar. Ela sabia de tudo isso, e mesmo assim, mesmo que por pouco tempo, ela ficou.

terça-feira, agosto 16, 2011

estavamos em um bar
às três da manhã.
você me dizia
que sonhava em se casar
eu te dizia
que sonhava em me mandar.
"pra onde?"
era o que você perguntava
"pra qualquer lugar",
era o que eu te falava.
"a vida pode ser boa",
você me dizia.
"a vida nunca é boa",
eu respondia.
você me chamava
de pessimista
eu te chamava
de hedonista.
você acreditava
num mundo melhor.
eu acreditava
em estar só.
você foi embora
pra nunca mais voltar.
eu continuo
no mesmo lugar.
no,
don't leave me
here.

no,
don't make me
cry.

no,
i'll never
go by.

no,
you're not
with me

no,
I never
could see.

no,
I'm not
alone.

yes,
I need
someone.
grab my arm
grab my toe
grab my hand
grab my soul
grab my dreams
up on your shoulder
grab my love
before it's over.
grab my mind
deep on your chest
grab my love
that's all I left.
imagino o que cada uma delas
está fazendo agora.
posso visualizá-las casadas
bem sucedidas e
realizadas.
posso imaginá-las com filhos
vivendo suas vidas
de forma tranquila
e preparando a janta
assistindo ao telejornal
na televisão.
eu continuo aqui
as coisas ainda não mudaram tanto
pra mim.
provavelmente
elas nunca irão mudar.
provavelmetne
é aqui que vou
continuar.
posso imaginá-las
me esquecendo em suas memórias.
uma triste lembrança
apagando devagar.
imagino se um dia
elas vão se lembrar.
ah, bobagem.
elas que fiquem
com suas memórias.
continuarei aqui
perseguindo
a glória
que provavelmente
nunca
virá.
sentado no ônibus
ninguém olha pra mim.
eu também
não olho pra ninguém.
curioso saber
que na próxima esquina
este pode ser o fim.
uma curva errada
e nós estaremos
em outra jornada.
bem longe
de você
ou de mim.
simples
assim.
eu costumava acreditar
costumava ter algo para lutar
costumava ler com emoção
e escrever com paixão
e andar passo por passo
esperando que algo acontecesse
ao virar a próxima esquina.

eu costumava me olhar no espelho
e enxergar esperança
enxergar tristeza também
mas enxergar esperança
de que havia algo lá fora
guardado
só pra mim.

eu costumava brandir os punhos
e falar coisas com orgulho
e me sentir importante
e sonhar com coisas
distantes.

eu costumava pensar em pessoas
que nunca conheci
e costumava imaginar tempos
que nunca vivi
mas o tempo chegou, querida
ele finalmente me alcançou
agora não tenho mais
para onde correr.
não tenho mais
onde me esconder.

eu costumava pensar
em mim e em você.
gostaria de prever
o que vai acontecer
quando você for embora
e me deixar aqui
conformado em saber
o que eu tentava entender.

terça-feira, agosto 09, 2011

It's Raining In Love

I don't know what it is,
but I distrust myself
when I start to like a girl
a lot.

It makes me nervous.
I don't say the right things
or perhaps I start
to examine,
evaluate,
compute
what I am saying.

If I say, "Do you think it's going to rain?"
and she says, "I don't know,"
I start thinking : Does she really like me?

In other words
I get a little creepy.

A friend of mine once said,
"It's twenty times better to be friends
with someone
than it is to be in love with them."

I think he's right and besides,
it's raining somewhere, programming flowers
and keeping snails happy.
That's all taken care of.

BUT

if a girl likes me a lot
and starts getting real nervous
and suddenly begins asking me funny questions
and looks sad if I give the wrong answers
and she says things like,
"Do you think it's going to rain?"
and I say, "It beats me,"
and she says, "Oh,"
and looks a little sad
at the clear blue California sky,
I think : Thank God, it's you, baby, this time
instead of me.

Richard Brautigan

domingo, agosto 07, 2011

Não importa muito mais. Há um ponto indivisível e não há mais volta. Se suas esperanças já se foram aos 21 anos e meio, não há mais muito o que esperar de todo o resto. As garotas que não te amaram não te amarão mais. Você não ficará bonito ou mais esperto. A vida seguira seu curso natural, devagar e misteriosa, e na maiora das vezes penderá para o desastre. Ele rondará em sua volta o tempo todo, como uma ameaça sussurrada. Mas você não pode dizer que não esperava. É sempre bom estar preparado para que o teto caía sobre sua cabeça. Você não poderá dizer que não sabia. Você sempre soube. Há um ponto indivisível na vida onde beber uma garrafa de vinho sozinho em seu apartamento é o máximo de tranquilidade que você pode atingir. É uma reflexão difícil e nada agradável, mas é simplesmente a realidade, as coisas como elas são, como eles costumam dizer em peças de teatro e programas de televisão. E o mundo continuará girando, independente de suas vontades ou problemas pessoais. Sua vida não é nada além de um pequeno grão nesse mar de areia gigantesco. E acredite, nenhum de seus problemas importa muito. O mais sensato é mesmo abrir uma garrafa de vinho e ouvir um bom disco. Talvez as coisas façam mais sentido assim. Talvez não.

quarta-feira, agosto 03, 2011

Because something is happening here
But you don't know what it is
Do you, Mister Jones?