segunda-feira, abril 26, 2010

nada muito diferente do que eu fiz na minha vida inteira

Fico pensando em como o final de semana não foi lá grandes coisas enquanto ouço uma música dos Proclaimers e folheio o livro Kerouac Para Principiantes, que apesar do nome estranho é um livro extremamente foda. O livro tem esse nome porque faz parte de uma coleção argentina dedicada a diversos autores. A ideia é muito bacana. Pequenas biografias de grandes personalidades e assuntos acompanhas de ilustrações. Essa do Kerouac foi escrita por Jorge Repiso e ilustrada pelo Miguel Rep, ambos argentinos. Eu comprei essa biografia e mais uma do Bukowski da mesma série (também ilustrada pelo Miguel Rep) quando andava pela agradável Peatonal Sarandi, em Montevideo no Uruguai, e tinha só mais uns dois dias de uma viagem que já durava quase dois meses pela Argentina e pelo Uruguai quando eu fiz a tolice de deixar só dois dias pra curtir Montevideo porque eu não sabia que ia ser uma cidade tão fantástica quanto acabou se revelando.

Então eu tava andando por lá e curtindo meus últimos dias antes de voltar pro Brasil quando eu vi essa livraria e resolvi entrar. Eu faço isso com praticamente todas as livrarias que eu vejo, desde que eu tenha quinze ou vinte minutos disponíveis e esteja passando por uma livraria ou sebo é praticamente certo que eu vou entrar lá pra tentar achar algum livro ou disco raro por um preço bacana, e dessa vez não foi diferente. Eu tava andando por lá complemente sozinho e curtindo o Uruguai, realmente me deleitando com as ruas e as construções de Montevideo e pensando em quão maravilhoso seria encontrar uma boa garota uruguaia, me casar e ir morar com ela em um daqueles prédios velhos e charmosos que tem por lá, curtindo a cidade como uma capital com ar de interior que ela tem (e que é descrita assim em praticamente todo guia de viagem sobre a cidade, mas não é mentira) enquanto escrevesse meus poemas em espanhol num estilo Mário Benedetti ou uma versão em língua espanhola e versada do John Fante e minha garota trouxesse bons vinhos e preparasse chivitos para nós comermos assistindo qualquer bobagem na televisão. É claro que tudo aquilo era só mais um dos meus delírios malucos, mas eu gostava de pensar naquilo. Aí eu entrei naquela livraria, e era um lugar bem grande e espaçoso, com várias estantes gigantes, e o mais legal era que a livraria era calma e só mais uma ou duas pessoas estavam por ali naquela hora. Diferente das livrarias de shopping que se sustentam vendendo basicamente livros de auto-ajuda e best-sellers, essa era exatamente o que eu imaginava como sendo uma livraria uruguaia. Era mais ou menos como se a livraria contivesse ali dentro todo o espírito de Montevideo que me encantou durante aqueles dois dias em que eu passei andando sozinho pela cidade, coletando vinis raros numa banca de rua, comprando cds do T. Rex e quadros dos Beatles e de Elvis Presley em lojinhas esquecidas de galerias vazias e bebendo cerveja uruguaia em botecos enquanto eu via uma espécie de carnaval ou desfile da cidade passar. E foi basicamente assim que eu achei essa fantástica biografiazinha do Kerouac e fiz isso parecer tão romântico para mim como se fosse uma das mais legais que já aconteceram, ao invés dizer que eu apenas andei por uma cidade desconhecida, entrei numa livraria e peguei os livros que me interessevam, porque pode parecer uma tolice, mas algumas coisas pra mim realmente são tão românticas como nos melhores filmes ou livros, e essa era verdadeiramente uma delas.

E talvez seja por isso que eu fico aqui pensando no meu final de semana um tanto quanto frustrante onde eu fiquei muito bêbado na sexta e me senti muito deprimido, pensando em coisas ruins, ou no sábado onde eu quase não bebi por ter tomado a tal vacina da gripe H1N1 e ter tido uma reação de fadiga e moleza muito ruins, e até mesmo na madrugada de um domingo em que eu não saí de casa pra nada além de ir almoçar com o meu velho num restaurante qualquer, e pensando por um lado isso até que é bom, porque no único dia da semana onde eu não trabalhei eu consegui ver o fabuloso filme Jules Et Jim do Truffaut, folhear essa biografia ilustrada do Kerouac e fumar cigarros na sacada do apartamento enquanto pensava nas cores do sinal de trânsito que fica na rua em frente e no que eu poderia fazer a respeito da minha vida num futuro próximo. E isso não é nada muito diferente além do que eu fiz minha vida inteira. E mesmo se as noites forem quietas e os finais de semana não forem lá grande coisa e você tiver que trabalhar na segunda-feira talvez ainda haja espaço pra simplesmente ficar tranquilo num domingo à noite, ouvindo um disco e pensando sobre qualquer coisa que te deixe um pouco mais esperançoso pra encarar toda essa coisa que serão os próximos cinco ou seis dias da semana de trabalho até o próximo final de semana.

sexta-feira, abril 16, 2010

America

America I feel sentimental about the Wobblies.
America I used to be a communist when I was a kid and I'm not sorry.
I smoke marijuana every chance I get.
I sit in my house for days on end and stare at the roses in the closet.
When I go to Chinatown I get drunk and never get laid.
My mind is made up there's going to be trouble.
You should have seen me reading Marx.
My psychoanalyst thinks I'm perfectly right.
I won't say the Lord's Prayer.
I have mystical visions and cosmic vibrations.
America I still haven't told you what you did to Uncle Max after he came over
from Russia.

Allen Ginsberg

três minutos a menos de vida

não consegui.
não tive o talento,
a cara ou a coragem.
não tive a vontade,
a sorte ou a
verdade.

tive tudo e
não tive porra alguma
além dos mesmos
versos repetidos,
desprovidos de alma,
desprovidos de tudo.

me embebedei,
reclamei e
fumei muitos cigarros
pra tentar acreditar naquela bobagem
de que cada cigarro fumado
são três minutos a menos de vida.

e no final
aquela bobagem
não era mesmo verdade.

então recolhi minhas coisas,
e continuei fazendo
o que eu sempre fiz
em todo esse
tempo.

e percebi que na verdade
eu não vinha fazendo nada
há muito tempo.

então acendi mais
alguns cigarros
e esperei pelo fim
(que nunca chegou).

sobre gatos sobre muros

uma noite quieta lá fora,
enquanto fumo cigarros aqui dentro
e leio poemas de Allen Ginsberg.
O alarme de um carro toca disparado,
e gatos lambem as prórias patas,
enquanto caminham por muros antigos
que a cidade destrói e constrói
todos os dias.

e por aí
garotos lamentam
falta de talento,
falta de bebida,
falta de sorte.
enquanto garotas lamentam,
falta de bons garotos.
e todas as pessoas
lamentam alguma coisa.

enquanto eu lamento;
a noite,
o alarme do carro lá fora
e o maldito silêncio
aqui dentro.

domingo, abril 11, 2010

acabou.
pra sempre.
agora,
passo a expressão.

sexta-feira, abril 09, 2010

Will never marry

I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You - but no
I will live my life as I
Will undoubtedly die - alone

I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You ...
I will live my life as I ... oh
For whether you stay or stray
An inbuilt guilt catches up with you

And as it comes around to your place
At 5 A.M.; wakes you up
And it laughs in your face

Don't Speak!
Sing...


Morrissey

Insight

Guess your dreams always end.
They don't rise up, just descend,
But I don't care anymore,
I've lost the will to want more,
I'm not afraid not at all,
I watch them all as they fall,
But I remember when we were young.

Joy Division

Talvez eu conseguisse chegar lá.

1

Posso dizer que ando tendo tempos realmente difíceis e a coisa não parece ir por um caminho muito bom. Já faz um bom tempo que não saio com uma garota e nem mesmo tenho alguma em vista. Talvez isso pudesse ser aliviado pelo fato de eu ter acabado de arranjar um trabalho, mas é um trabalho cretino no call center de uma empresa telefônica onde eu vou receber um salário mínimo pra ficar seis horas sentado em frente a um computador ouvindo reclamações de clientes e tentando resolver seus problemas. A garota que eu gostava já não tem dado a mínima pra mim por mais de seis meses, e eu ando ocupando passando boa parte do meu tempo assistindo filmes e ouvindo Joy Division. Eu realmente pensava que as coisas iam ser boas, mas elas já não vem sendo boas por um bom tempo. Me sinto repetitivo e via meu sonho de ser escritor ir por água a baixo.

Acho que eu posso falar do começo e dizer que eu larguei a faculdade de jornalismo depois de estudar por dois anos porque simplesmente não me sentia feliz com o rumo que aquilo tava tomando. Pra falar a verdade eu não via muito futuro em muitas coisas, e continuava não vendo nenhum futuro agora. Um emprego cretino, algumas noites solitárias e alguns filmes no dvd. Será que era basicamente a isso que eu estava predestinado? Puta que pariu. Eu lutei duro pra tentar fazer alguma coisa acontecer, mas agora simplesmente não acontecia nada. Eu costumo sair com grande freqüência pra beber, e aí fico bêbado e falo bobagens escorado nos ombros dos meus amigos e lamentando minhas velhas reclamações.

O grande problema eram as garotas. Sempre tinham sido. Na verdade o problema não eram as garotas: era a falta delas. O que será que eu devia fazer pra ter algum sucesso com o sexo oposto? Ás vezes eu indagava se era alguém muito feio, ou muito desinteressante e entediante ao ponto de não conseguir me dar bem. Mas eu realmente não me achava tão feio nem tão entendiante. Então por que a coisa toda não funcionava? Talvez eu não arriscasse o suficiente. Talvez fosse isso. Provavelmente era isso. Eu não corria grandes riscos. Eu estava acomodado em minha posição, e isso era uma merda.


2

Pra falar a verdade o grande problema talvez fosse uma garota. Uma garota em especial. Ela se chamava Flávia e não dava a mínima bola pra mim há um bom tempo. E o que me deixava mais frustrado era que a coisa toda tinha começado por culpa dela. Mas pra isso eu preciso explicar desde o começo.

Ela era a melhor amiga da irmã do meu melhor amigo. Tudo seria tão simples se não fosse tão complicado. A garota é nova, tem dezesseis anos e cheia de planos interessantes. Eu to nos vinte e não tenho grandes coisas. Não que eu já seja muito velho, mas eu deveria ter alguma coisa em mente, não é? Mas eu to perdendo o ponto aqui, e isso não pode acontecer. O que aconteceu é que a garota sempre foi maravilhosa, desde os doze anos. Eu sempre via ela de longe e pensava em como ela era um arraso. Mas é claro que eu não tinha esperança alguma de que algo alguma vez fosse acontecer. Eu não tinha esperança até ela deixar escapar pra melhor amiga e irmã do meu melhor amigo que me achava bonito e interessante, ou sabe lá o que. E é claro que a informação chegou em mim rápido, e é claro que não demorou pra gente ficar junto. Nós ficamos por algumas vezes, e eu realmente me apaixonei por ela. Na época eu morava em São Paulo e ainda cursava a faculdade, e pensava que talvez fosse a distância que impossibilitasse algo a mais. Um tempo depois eu descobri que ela não tava muito na minha quanto eu tava na dela, e esse foi o primeiro pé na bunda que eu levei na nossa relação.

Demorou um tempo pra recuperar. A coisa doeu de verdade, daqueles que te derrubam como poucas vezes na tua vida. Muitas noites de lamento e bebedeira, poemas escritos e dedicados a ela (que eu obviamente não mostrei, guardando apenas pra mim) e outras bobagens depois, eu pensei que estivesse livre. Arranjei outra garota, uma boa garota, bonita, interessante e legal. Ficamos por um tempo, um bom tempo. Três ou quatro meses. Isso pra alguém como eu era praticamente uma eternidade. Nunca tive muita sorte com as mulheres, e de repente eu tava ali, três meses com a mesma garota. O problema era que essa outra garota com o tempo pareceu não estar tão interessada em estar comigo também. E nós nem mesmo tínhamos chegado aos finalmentes. Não demorou muito tempo pra gente arranjar um motivo e tudo acabar. Eu também não tinha mais muita paciência, e se não me engano dessa vez fui até eu que terminei com a garota, o que acontece raras vezes na vida de alguém como eu. E é claro que não demorou muito tempo para eu voltar para a primeira garota.

Mas como tudo na vida, a coisa não ia ser perfeita. Ficamos diversas e diversas vezes, mas ela simplesmente não estava ligando pra mim como eu ligava pra ela. E aí, aconteceu o que sempre acontece: Eu sofrendo, lamentando e deprimido, e ela vivendo sua vida com outra pessoa, ou sabe Deus fazendo o que. E essa história toda já faz um ano, ou pouco mais de um ano, e eu ainda não me recuperei.

A coisa simplesmente não funcionava como deveria funcionar. Talvez eu estivesse sob alguma maldição. Talvez eu simplesmente não soubesse como fazer as coisas. Talvez as duas coisas e mais outras que eu não sei. Talvez o mundo conspirasse contra mim. Talvez eu mesmo conspirasse contra mim. Eu não sei, e acho que nunca vou saber, mas eu sei que não tem dado certo.

E é assim que voltamos ao começo da história, onde um cara de vinte anos passa a maior parte do seu tempo assistindo filmes no sofá, ouvindo Neil Young e Joy Division, lendo um pouquinho de um livro do Jack Kerouac e trabalhando em um call center de uma empresa telefônica líder em reclamações. E na verdade essa última parte ainda nem era verdade, porque eu havia sido admito no emprego (conseguindo assim sucesso em uma entrevista pela primeira vez na minha vida, em um fantástico histórico de quinze entrevistas reprovadas para uma contratada), mas ainda não havia começado a trabalhar. A parte boa era que eu teria duas semanas de treinamentos pagos pela empresa. A parte ruim, além do emprego como um todo, era a de que eu teria que trabalhar aos sábados e domingos e folgaria apenas em escalas. E ia ser um tremendo pé no saco folgar às terças-feiras, porque posso dizer com certa propriedade de que não há muita coisa pra se fazer numa segunda à noite, especialmente se você mora numa cidade do interior do Paraná onde a maioria das pessoas dedica-se a ouvir música sertaneja e falar sobre os acontecimentos da exposição anual agropecuária.

Então eram estes e mais alguns motivos que faziam a coisa não parecer tão boa quanto deveria ser. Na verdade eu nem mesmo sabia se havia algo bom nisso tudo, em viver a vida, conhecer garotas, sair nos bares e levantar da cama de manhã. No meu caso, ao meio-dia.


3

A coisa era ainda mais intrigante porque muitas pessoas pareciam ter vidas fantásticas. Ás vezes eu pensava que nada disso realmente existia, que talvez todos eles fossem tão miseráveis como eu ou qualquer outro mas que gostavam de fingir e eram realmente bons atores no que se propunham. Eu não achava muito possível que as coisas fossem boas como algumas pessoas acreditavam ser. Eu nunca havia vivido muito tempo de algo bom. E sei que tudo isso soa dramático, e até desesperador, mas era verdade. Eu também não poderia dizer que tudo era ruim. Tinha comida na mesa, casa com televisão, computador e internet, alguns amigos pra beber nos bares e falar bobagens e alguns livros e discos na estante. Algumas coisas eram boas. Algumas coisas eram realmente boas. Mas e essa coisa toda com as garotas, e com as pessoas é que era complicada. No que se resumia isso tudo? Acho que eu nunca ia saber. Eu só queria encontrar uma garota pra quem eu pudesse gravar um cd com minhas músicas favoritas para se ouvir num dia de chuva. Mas será que as pessoas ainda gravavam cds com suas músicas favoritas nos dias de hoje? Eu não sabia dizer. Eu nunca tinha tido a oportunidade de tentar. Eu não tinha tido a oportunidade de fazer muitas coisas pra ser bem sincero. Eu nunca tinha tido um jantar romântico a luz de velas, ou falado sobre o que eu fiz no ano de 1997 ou contado sobre os melhores filmes que vi no cinema sozinho pra ninguém. Eu não tinha tido muitos momentos de intimidade, e não podia dizer que conhecia muitas pessoas, tampouco que conhecia bem alguma pessoa. Isso era um bocado complicado. Escrever também era complicado. Escrever sobre minha própria vida, meu próprio fracasso, meu próprio drama, meu próprio ego inflando e explodindo bem na minha frente. Falar sobre si mesmo era chato. Acho que a coisa comigo não era tão boa como nos filmes do Woody Allen que eu gostava de assistir. E não era tão bom dizer que isso ou aquilo era complicado. Talvez eu devesse falar sobre as coisas boas. Talvez eu devesse fazer como naquele filme em que o Woody Allen cita as coisas que fazem sua vida valer a pena. O que fazia minha vida valer a pena? Não sei se eram muitas coisas. O rock and roll era uma delas. Grandes filmes como Annie Hall, 8 e ½ e Touro Indomável também. Livros do Jack Kerouac, poesias do Bukowski, hai-kais do Leminski, bibliografia completa do John Fante. Os Ramones, os Stones, os Beatles e os Beach Boys. Elvis, Fats Domino, George Harrison e Bob Dylan. Tom Waits, uísque bourbon, carpaccio, cerveja, cigarros pós-refeição, discos de lp, coleções de livros, dormir até o meio-dia, jaquetas de couro, o inverno, balas 7 belo e... garotas. Talvez algumas coisas valessem a pena. Talvez muitas coisas valessem a pena. Talvez no fim desse tudo certo. Talvez não houvesse um fim, ou talvez o fim não fosse tão ruim quanto parecia. Talvez algo se escondesse atrás das montanhas e grandes poemas estivessem se formando na minha mente. Talvez eu conseguisse fazer algo funcionar. Talvez eu me apaixonasse, me casasse e tivesse filhos e uma casa com garagem. Talvez eu me mudasse para o Uruguai e morasse no centro "viejo" de montevideo. Talvez eu nunca morresse. E se morresse seria dormindo, numa casa no campo com uma garrafa de vinho e uma boa garota ao meu lado. Talvez muitas coisas acontecessem, e talvez a maioria delas não. Talvez, talvez... talvez eu conseguisse chegar lá.

sábado, abril 03, 2010

Um cigarro e depois outro.

costumava ter
delírios espirituais
e escutava as pessoas me dizendo
coisas como,
"você deveria
tomar isso,
ir até minha igreja
ou visitar Lacerda, pois ele é
um ótimo psicólogo."

e talvez eles estivessem certos
ou parcialmente certos mas
aquilo tudo me chateava
um bocado.

e eu andava até
a padaria e
pedia um pão de queijo
e um café
e acendia um cigarro e depois
acendia outro cigarro,
e andava pelas ruas
fingindo que tinha algo a fazer.

mas eu não tinha
nada a fazer
e nem mesmo queria
ter algo pra fazer.

então eu só andava pela rua
e ás vezes vendia alguma coisa
pra levantar algum dinheiro.
e aí voltava pra padaria
e comia um pão de queijo,
tomava um café,
acendia um cigarro
e depois outro.

um péssimo poeta

"você é um péssimo poeta."
ela me disse.
"eu sei."
eu retruquei.
"você deveria
parar de querer ser escritor
e arrumar um emprego de verdade."
ela me disse.
"eu não me encaixo
em empregos de verdade."
eu respondi.

ela pegou
o resto de suas coisas,
se levantou e
foi embora.

eu me sentei
em frente à máquina de escrever,
escrevi dois poemas
e os li em voz alta.

e eles realmente eram
muito ruins.

spinnin' joe

spinnin' joe
era a música que eu costumava cantar
toda vez que nós saíamos.

spinnin' joe
era uma música que eu tinha inventado
e que não tinha uma letra bem definida.
mas eu gostava de cantá-la
todo o tempo
principalmente
quando nós saíamos.

"spinnin' joe
spinnin' joe
que fim será
que cê levou?"
era um dos versos
de spinnin' joe.

no começo
ela achava graça
e se divertia com
spinnin' joe.

"spinnin' joe
spinnin' joe
você se foi
com meu amor"
e ela até inventou
uma estrofe para
spinnin' joe.

um tempo depois
ela se cansou
de mim e de
spinnin' joe.

nada que eu já
não pudesse imaginar
com certa antecedência.

então saí pelas ruas
com os bolsos vazios
e uma garrafa de uísque
cantarolando "spinnin' joe".

e foi naquela tarde
que encontrei um vira-lata
a quem eu batizei de
spinnin' joe.

"spinnin' joe
spinnin' joe
você se foi
nada restou."

era o que eu costumava cantar
com meu cachorro
spinnin' joe

e tudo isso aconteceu
logo depois
que ela me deixou.

lonely blues

a música toca
e o blues ecoa
pelo quarto
das paredes
até o teto
voltando direto
pro chão.

a fumaça do cigarro
faz um caminho
parecido.

giro a cabeça
pra um lado e
para o outro
enquanto levo
o copo a boca
e bebo
um, dois
goles de cerveja.

dou um trago no cigarro,
solto
e vejo a fumaça
subir, descer e
se dissipar
como todo
o resto.

desimportância

Não crio coisa alguma
há muito tempo
tanto tempo
que nem sei o que se passou
em todo esse tempo.

não vejo algumas pessoas
há muito tempo
tanto tempo
que nem sinto falta
da grande maioria delas.

não fico sem beber
há muito tempo
tanto tempo
que nem mesmo dou a mínima
pras ressacas.

não escrevo
há muito tempo
tanto tempo
que não me importo

e provavelmente
não vou mais me importar
com muitas coisas
por muito tempo.

e por que eu deveria?