sábado, outubro 16, 2010
Não enlouqueça
As coisas não andavam bem. Eu ficava repetindo na minha cabeça, quase como um mantra, "não enlouqueça, não enlouqueça". Eu tentava manter a calma e não cometer nenhuma estupidez. Eu tentava ficar bêbado e não ligar pra ela implorando um pouco de atenção. Pensei que aquilo era a coisa que as mulheres mais desprezassem nos homens. A carência, a solidão. Homens que choravam. Homens que bebiam. Homens que bebiam e choravam e contavam histórias sobre bares e músicas de rock and roll. Homens que ouviam blues sozinhos em quartos escuros. Eu repetia meu mantra e tentava me acalmar. Tentava aceitar que as coisas não eram como deveriam ser, e que talvez só me restasse mesmo esperar. Tentei encarar de frente todos esses pensamentos que atormentavam meu espírito como canivetes afiados. "Não enloqueça, não enlouqueça", eu continuava repetindo, mais e mais vezes, até algum tipo de paz temporária se instalar. Eu só precisava manter a calma, a cabeça no lugar, não pensar em coisas ruins, nunca mais pensar em coisas ruins. Eu só precisava de uns bons dias de solidão pra melhorar minha cabeça, tomar alguns bons porres com uísque e vinho, assistir uma porrada de filmes e ler um romance policial. Nada romântico ou esperançoso, só um romance noir com bares, mistérios e brigas. E depois disso eu faria a barba, colocaria uma roupa bacana, juntaria uns trocados e saíria para conhecer uma nova garota. Era exatamente isso o que eu precisava. Eu era um homem que bebia, que chorava e que escutava blues sozinho no quarto. Talvez isso não fosse de todo mal. Talvez isso fosse a única verdade. "Não enlouqueça, não enlouqueça". Quanta bobagem. Eu não iria enlouquecer. Não nessa vida. Eu não faria nenhuma bobagem por ela nem por nenhuma outra garota. Ora, eu era grande demais pra qualquer coisa dessa. E se ela nem mais ninguém no mundo soubesse o quanto eu era afiado com as palavras, ah, diabos, eles não sabiam o que estavam perdendo. Eu podia não ser muito original, muito lírico ou muito romântico, mas eu escrevia uns poemas danados de bons. Pelo menos eu achava isso quando não tava numa má onda de auto-crítica perversa e destrutiva. "Isso podia muito estar nas páginas dum livro, e esse livro nas estantes dessas livrarias iluminadas de um maldito shopping center", eu falava pra mim mesmo ás vezes. Eu acho que não tinha razão. Era óbvio que não tinha razão. Toda e qualquer pessoa que escreveu um bocado de bobagem também pensava isso. E até onde eu sabia, a grande maioria delas não estava nas livrarias ou nas bibliotecas. Alguns dos bons conseguiam vencer, mas eram poucos. E todos eles com certeza já haviam passado algum tempo tentando não enloquecer. "Não enlouqueça, não enlouqueça". Eu não iria enlouquecer. Eu tinha toda uma semana pra ficar bêbado, ver uns filmes, escutar rock and roll e me reerguer, e era exatamente isso o que eu ia fazer. Pode ter certeza que eu não iria enlouquecer.
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Um comentário:
gostei muito desses dois últimos textos.
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