sexta-feira, agosto 24, 2012

Capítulo 2


Eu costumava guardar cartelas de um remédio psiquiátrico escondidas na gaveta. Eu sabia que aquilo era uma grande bobagem e que eu era muito medroso pra tentar me matar, mas a coisa ficava ali por questão de segurança. Esses remédios tinham sido receitados por um psiquiatra com quem me consultei uma vez. A família havia me obrigado a visitar uma psicóloga, o que se tornou uma das experiências mais chatas que eu já vivi. Eu ficava lá olhando para o rosto dela e para o relógio que ficava em cima de uma mesa de canto. Ela ficava lá, tentando arrancar coisas de mim e me fazer acreditar que a vida era bela. A vida não era bela, e ela também sabia disso. Talvez se eu ganhasse a mesma boa quantia que ela a cada consulta eu também poderia começar a acreditar que a vida é bela, mas este não era o caso. Mas, voltando ao que importa, eu mantinha as cartelas com os comprimidos por pura questão de segurança. A coisa era tão absurda que eu conseguia pensar em usá-las de manhã, e de tarde acreditar que a vida era ótima, pra de noite voltar a acreditar que era algo horrível. De certa forma, pode-se dizer que a preocupação da família em me mandar a um psicólogo era justificada. Eu era o que podia se chamar de um “louco em potencial”, ou qualquer termo psiquiátrico equivalente a isso. Se ainda vivêssemos na idade média, eu provavelmente teria sido queimado em uma fogueira. Não que eu fosse virar um seria killer ou fazer alguma idiotice dessas. Eu realmente não me importava com os outros, o que era um problema ainda maior. Eu cheguei a pensar que essa situação ia mudar quando conheci Daisy, que era uma garota adorável, mas Daisy também era uma incrível puta que quebrou meu coração, e eu a odeio por isso. Quando olho para a caixa de remédios, é nela que eu penso. Não só nela, é claro. Eu penso nela e em todas as outras garotas que acabaram comigo, e também penso nas milhares de outras que nem me deram a chance de quebrar meu coração. E isso dói pra burro. Mas talvez seja só algo idiota da minha parte. Como eu disse, eu sou um louco em potencial, e esse tipo de coisa não se explica com facilidade.

Olha só, quando eu era criança eu queria ser astronauta. Você vê cabimento em algo assim? É claro que não. Eu também quis ser dentista e rock star, e é claro que eu não fui nada disso. Eu acabei virando um jornalista meia-boca, que cobre qualquer evento chato por um prato de comida de buffet ou uns canapés e cerveja. Você realmente acha que esse tipo de coisa vai me dar um futuro? Eu podia ficar chateando as pessoas com esse tipo de questionamento, mas eu nunca quis isso. Normalmente, eu vou pra um bar, bebo uma ou duas cervejas, peço uma dose de gin tônica (geralmente feita com o gin mais vagabundo), desço mais duas cervejas e fico por ali, lendo um livro de poesias que eu peguei em algum sebo ou ouvindo algum disco antigo no mp3. É que eu realmente não importo, e não se importar é a forma mais cretina de existir. Ás vezes, encontro alguns amigos ou um casal de conhecidos. “Olha o Rick Nicoletti, que filho da puta. Esse cara com certeza tem uns problemas na cabeça. Sabia que ele nunca namorou? Que garota suportaria um doente assim?”, é o que eu imagino que eles falam assim que se afastam da mesa. Mas é claro que eu estou errado. Eles não tão estúpidos como eu ao ponto de se importar se eu sou mesmo um idiota. Aí eles pedem um prato, normalmente massa e vinho, e ficam lá discutindo sobre a novela, sobre o que fizeram em seus trabalhos, sobre a maravilhosa viagem para Miami ou qualquer outro lugar idiota assim, e, por mais contraditório que pareça, eu realmente acredito que eles são muito mais felizes assim. Eu fico lá, remoendo os pensamentos, aí volto pra casa e coloco um disco de rock ou jazz na vitrola e fico vendo a bolacha girar a 33 rotações por minuto enquanto meu estômago embrulha. Aí eu sento na cama e fico encarando as pessoas, repletas de quadros de bandas de rock, filmes B e escritores de baixa  moral. Aí eu penso: “o que esses filhos da puta estariam fazendo no meu lugar?”, e imagino que eles estariam fazendo coisa muito melhor, e é por isso que eu tenho fotos deles nas paredes. Imagina se alguém um dia ia colocar uma foto minha na parede do próprio quarto ou da própria casa? Que baita bobagem. “Quem é esse narigudo aqui?”, perguntaria um amiguinho. “Ah, é um escritor maravilhoso que fala sobre as maravilhas de ser um pseudo suicida, mas que é um cagão pra realizar tal ato”. Patético, pra dizer o mínimo. “E ele morreu do que, este fabuloso escritor suicida?”, questionaria o garotinho. E o meu jovem fã, coitado, responderia já com a voz embasbaca e morrendo de vergonha de ter metido esse pôster besta na parede: “Ah, ele teve um ataque cardíaco”, ou alguma outra morte comum desse jeito. "Não foi casado, não teve filhos e morreu de velhice na mesma kitnet que morou durante a maior parte da sua vida". Ah, que merda, hein?

Capítulo 1


Eu costumava ter disposição pra escrever. Olha só, eu tinha dezoito anos de idade e tinha acabado de chegar em uma cidade gigantesca. Aquilo tudo era novo pra mim, e eu ficava meio assustado e encantando, chutando tampinhas na rua feito um personagem do João Antônio e andando pelas ruas como o bom e velho Arturo Bandini, acreditando que atrás desses muros cinzas e dessa cidade cheia de gente havia algo guardado pra mim, algo em que eu podia acreditar. Infelizmente eu estava errado. Ainda não sou velho, mas sinto que uma parte dessa esperança já foi embora. Era uma sensação totalmente diferente. Eu olhava para o espelho, encarava aquele rosto jovem e acreditava que podia ser um escritor. Eu sentava em frente ao notebook e digitava com fervor, escrevia textos gigantes, recheados de uma poesia boba e pouco inspirada, acreditando que eu estava fazendo algo verdadeiro, que aquilo ia me levar a algum lugar. Depois, eu relia tudo e pensava em como era horrível. Mas parte de mim acreditava nesse tipo de coisa. Pode até parecer bobagem, mas, olha só, eu só tinha dezoito anos de idade. Você não pensa direito com essa idade. Teoricamente, você já é um adulto, mas na verdade você só quer focar suas esperanças. Esse é o lado triste de envelhecer. Aos poucos, suas opções vão se restringindo a apenas quatro ou cinco. E depois, a duas ou três. Até que enfim chegam a uma única opção. Se você fez a escolha errada em algum momento, você se lascou. Não vai mais adiantar rezar, e seus pais não vão estar aqui pra te ajudar. Vai ser sorte se você tiver uns amigos. Mas acredito que é melhor não pensar nisso. 

O pessoal frequentemente me aponta como um pessimista, e não posso dizer que eles estão errados. Ultimamente, entrei numas de acreditar que eu era uma espécie de fantasma. Do tipo que existe, mas só alguns conseguem enxergar. E quem vê normalmente se assusta. Muito fantasioso? É, acredito que sim. Ainda lembro das professoras do primário dizendo que eu era criativo até demais. Eu inventava personagens, países, histórias e situações inimagináveis. Acredito que toda criança faz isso, mas no meu caso isso acabou se tornando um problema. De certa forma, acho que nunca consegui encarar o mundo da maneira correta – se é que ela existe, é claro. O que eu quero dizer é que eu nunca consegui me adaptar a este tipo de coisa. Costumava achar que se tivesse nascido em outra época, as coisas teriam sido melhores, mas hoje em dia até mesmo essa utopia foi por água abaixo. Quer dizer, é claro que eu ia querer viver em outra época, ouvir boa música e ver as garotas usando aqueles vestidos e penteados lindos, e sem toda essa chateação de proibir isso ou aquilo outro, mas no fundo eu sei que não seria tão diferente assim. Eu ia continuar me olhando no espelho e perguntando onde está aquela esperança que eu tinha aos dezoito anos de idade. “Você é um merda, Rick Nicoletti”, dizem as vozes pra mim. Peraí, eu não quis dizer “as vozes” como nesse papo de filme de terror ou de maluco atirador de cinema, é só mesmo uma expressão. Eu nunca ouvi vozes, mas se algum dia eu ouvir eu tenho quase certeza que elas vão me mandar parar de choramingar e criar alguma vergonha na cara. “Desiste desse sonho besta, seu bostinha”, é o que eu acho que eu ia ter que ouvir. Então é melhor ficar assim, não é? 

Olha só, se tu chegou até aqui e aguento esse tipo de chorumela, é porque em algum ponto você concordou comigo, e se você concordou comigo é porque a coisa tá preta pro seu lado também. O quão lascado a gente tá? Ah, eu não sei mesmo. Mas eu nem quero mais viver essa vidinha chata de ir pro trabalho, pra faculdade, pra casa, pro bar, e daí pra casa de novo, mas é exatamente o que eu acabo fazendo durante todo o ano. Acho que não há muita opção. Será que se eu meter uma mochila nas costas e sair por aí eu sobrevivo? Eu cresci em apartamentos, e o máximo de contato com a natureza que eu tive foi um acampamento meia boca com uma galera que eu conhecia, ao qual eu só fui porque estava muito apaixonado por uma menina, que por sua vez me deu um belo pé na bunda, o que me deixou deprimido, o que por sua vez me fez me trancar no apartamento e beber mais, o que por sua vez também me fez escrever mais, o que eu também achei uma grande bobagem de baixa qualidade literária. Agora entende o que eu quero dizer? Espero que sim, porque eu mesmo não entendo, e na verdade eu acho que nunca vou entender.

quarta-feira, agosto 08, 2012


Glória me liga
às 3 da madrugada
"Garoto, você é uma piada"
ela diz, já muito alta
esfrego os olhos
e abro uma cerveja.
Louis Armstrong canta no rádio
e o som do trompete preenche a kitnet.
penso aonde diabos
fui me meter
quando conheci
você.

terça-feira, agosto 07, 2012

Basta!


vamos dizer que uma hora eu simplesmente desisti
veja bem, não havia mais motivos.
pra que despejar tanta bobagem no papel?
pra que gastar os miolos com versos tão inúteis,
tão mesquinhos, tão fúteis?
oras, muitos outros haviam feito isso de forma muito melhor.
quanta petulância! crer que esses pequenos acontecimentos
tão pouco graciosos e tão desprovidos de paixão
rendessem um romance? um poema azarão.
por favor, basta! Outros mereciam mais.
Então, toquei a vida. E ela foi dura.
Foi cruel e foi muito má.
Paciência - pensei ali.
Tudo isso há de passar.
Não vá se meter com as letras, garoto.
Não vá se meter a escrever.
Suas palavras são tão pouco jeitosas
tão pouco proveitosas
tão pouco honestas
mas muito abundantes
muito desnecessárias
muito exaltadas!
Oh - por Deus!
Se Arthur Rimbaud me ensinou algo
foi a não me meter com tais bobagens.
Mas eu, teimoso, teimei novamente
e persisti no erro
crasso, que me acabou custando
muitas coisas melhores.
Veja bem, minha querida
As coisas que eles escrevem nos livros
não funcionam tão bem na vida.
As palavras dos poemas
tão bonitas e dispostas em belos esquemas
não honram com minhas próprias
e pobres comiserações.
Não há de que se preocupar
Outros melhores vieram
outros melhores virão
A mim basta
de escrever essas palavras
tão mesquinhas, tão fúteis
mas tão cheias
de paixão.