sábado, outubro 16, 2010
É só o mundo rodando em mais uma noite solitária
As paredes do reservado pareciam moles enquanto eu tentava apoiar a mão e não vomitar fora da privada. A coisa ia descendo numa cor arroxeada, mistura de vinho e cerveja. Eu sabia que ia dar naquilo desde a hora que saí de casa. Malditos fermentados. Benditos fermentados. Tudo o que eu queria era sair só pra uma cerveja, mas aí um amigo apareceu com uma garrafa de vinho e dá-lhe bebedeira. Era só o jeito que as coisas aconteciam. Lembrei de estar no carro de um amigo ouvindo os Stooges e me chacoalhando no banco do carona. Selvageria total, baby. Eu queria ser Iggy Pop. O desgraçado era um selvagem de verdade. Eu podia ter sido um astro punk né não? Mas acho que eu estaria mais pra um folk singer solitário com uma gaita e um violão. Mas eu nem diabos sabia tocar violão, e mandava mal na gaitinha que eu tinha comprado há vários anos atrás por uma merreca, numa loja de instrumentos da cidade. Eu não era muito bom em muitas coisas. Na verdade eu não era muito bom em nada, mas esse era o menor dos problemas. Eu ainda conseguia beber e sentar e escrever. Eu não tinha um emprego, eu não tinha muito dinheiro, eu não tinha uma garota, morava com a minha mãe e era sustentado pelas migalhas que meu pai me arranjava. Não era exatamente o tipo de vida que os velhos sonharam pra mim. Tinha largado a faculdade na metade por achar jornalismo uma coisa estúpida e completamente puxa-saco. Eu queria ter sido um escritor, mas eu nunca tinha escrito muita coisa, e nem mesmo tinha enviado nada pra nenhuma editora ou coisa do tipo. Uma vez eu participei dum concurso de contos. Paguei vinte malditos reais e mandei três contos horríveis, e obviamente não ganhei nenhum prêmio, nem uma mísera menção honrosa. Um dos contos era sobre um bêbado psicopata que explodia um bar depois de ser largado pela mulher. O outro era sobre um cara que digiria um velho Chevete ouvindo fitas k7 dos Rolling Stones e rumando pra lugar nenhum. E o outro eu acho que era sobre um cozinheiro maluco que inventava um sanduíche fantástico e não passava a receita pra ninguém, aí um cliente ainda mais maluco ficava obsessivo pra descobrir e tentava todas as receitas possíveis na sua casa. Eram todos contos horríveis, isso era uma certeza. Ainda bem que eu não ganhei né não? Pra quê diabos a fantástica literatura nacional ia perder seu precioso tempo com histórias como essa. Terminei de vomitar, bochechei com água da pia e saí do banheiro. Meu amigo brother já me esperava com uma cerveja em punho. Os verdadeiros amigos sabem do que cê precisa numa hora dessas. Matamos aquela e mais alguns e resolvemos nos mandar. Paramos num carrinho de lanches da avenida e pedimos dois x-salada e uma coca-cola. Na metade do lanche meu estômago embrulhou e passei pro amigo terminar o serviço. Matei a coca-cola fumando um cigarro. Pensei numa entrevista do Jim Morrisson que eu tinha lido onde ele dizia que não curtia água, coca-cola ou suco, e que curtia comer suas refeições com vinho ou cerveja, basicamente isso. E a entrevista foi antes de ele se tornar um bêbado barrigudo anárquico poético-decadente que virou já pro final do Doors. Na época dessa entrevista os Doors ainda tavam no ínicio, tinham lançado só os primeiros discos, já eram famosos e já havia um certo culto ao mojo king, mas nada comparado à mega banda que eles viraram depois. Cara maluco, esse Morrisson. Não é a toa que uma galera ainda usa camisetas com a cara dele, joga garrafas no seu túmulo parisiense e outros juram de pé junto que ele, junto com o rei Elvis Presley, não morreu e tá pelo mundo bebendo uísque e escrevendo poemas. Dizem até que viram ele numa fazendo do Texas ou Arkansas, não lembro direito, acho que vi essa bobagem na internet. E o Paul McCartney já morreu. E aquele rapper, o Tupac, também tá vivo por aí lançando discos inéditos que seriam de supostas "gravações" descobertas em fitas antigas. Se duvidar ele fez isso só pra apagar o tal do Notorious BIG. Bando de doido, isso sim. Terminamos o lanche e fomos pra casa. Coloquei uma música dos Replacements pra ouvir e deitei na cama. O mundo rodava, minha cabeça rodava, mas eu ainda tava ali, parado no mesmo lugar onde eu tinha passado boa parte da minha vida. Talvez o que eu precisasse mesmo era rodar. Rodar de ares, rodar o mundo, rodar o diabo que me carregasse. Talvez eu precisasse de mais um montão de coisas, mas naquela hora só do mundo parar de rodar enquanto eu tentava dormir já estaria de bom tamanho. Não demorou e caí no sono. O mundo continuava rodando, mas eu já não podia mais senti-lo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário