quinta-feira, janeiro 13, 2011

Weird lover Wilde

A qual de nós não sucedeu despertar de madrugada, ou depois de uma dessas noites sem sono que nos fazem quase desejar a morte, ou de uma noite de horror e de delírios monstruosos em que nos deslizam pelos esconsos do cérebro espectros mais terríveis do que a própria realidade, animados dessa vitalidade que se esconde nas coisas grotescas e emprestar à arte gótica a sua vida imperecível, pois essa arte é, por assim dizer, a arte peculiar dos espíritos perturbados pela doença da imaginação? Dedos pálidos vão lentamento deslizando entre as cortinas farfalhantes. Formas mudas, sombrias e fantásticas, esgueiram-se e encolhem-se nos cantos escuros da peça. Fora, é o burburinho da passarada na folhagem, ou o rumor dos passos dos que vão para o trabalho, ou os suspiros e o soluçar do vento que vem dos montes e ronda a casa silenciosa, como se temesse despertar os que dormem e devesse ao mesmo tempo arrancar o sono da sua gruta purpúrea. Desvenecem-se um após outro os véus de gaze da penumbra. Voltam gradualmente a forma e a cor às coisas e vemos a aurora devolver ao mundo o aspectro habitual. Os espelhos baços recobram sua vida imitadora. Os castiçais apagados estão onde os deixamos e, além deles, está o livro quase intacto que principiamos a ler, ou a flor montada em arame que usamos no baile, ou a carta que não nos animamos a ler ou que relemos demais. Nada mudou aparentemente. Emerge da sombra irreal da noite a vida real como a conhecemos, que retomamos do ponto onde a interrompemos. Domina-nos então a sensação penosa da necessidade e constância da energia, no mesmo giro monótono de hábitos estereotipados. Ou é um desejo desesperado de abrir um dia os olhos para um mundo renovado durante a noite para nosso júbilo, um mundo de novas formas e cores, diferente, ou com outros segredos, um mundo em que o passado ocupasse pouco ou nenhum lugar, ou pelo menos sobrevivesse isento de deveres ou de saudades, já que a recordação da própria alegria tem as suas tristezas, e a lembrança do prazer pode eivar-se de dor.

Oscar Wilde - O Retrato De Dorian Gray

Nenhum comentário: