quarta-feira, junho 11, 2008
Infelicidade múltipla dos orgãos
Fiquei sentado no balcão do bar enquanto entornava meu copo de cerveja em alguns goles rápidos. Um senhor do meu lado puxou conversa. Não tava a fim de papo. Dispensei a conversa com educação e voltei a beber olhando para o nada. De repente tive alucinações. O bar de azulejos brancos e sujos me lembrava um desses hospitais ou postos de saúde públicos. Os garçons do balcão com seus jalecos brancos eram idênticos aos enfermeiros e médicos. Olhei ao redor. Todos os presentes pareciam estar doentes. O velho do meu lado sofria de solidão. Devia ser viúvo e os filhos deviam estar ocupados demais pra ficar com ele, por isso passava o tempo no bar tomando sua cerveja e puxando papo com quem estivesse do seu lado. Mais atrás um cara tomava uma dose de vodka ou algo do tipo sozinho numa mesa. Esse sofria de pé na bunda com certeza. O olhar desolado não escondia, e as roupas relativamente boas também não. Geralmente quando levam um pé na bunda esses tipos de caras entram no primeiro bar mais vagabundo que acharem e ficam lá se lamentando e bebendo sozinhos. Dois caras conversavam e bebiam cerveja em outra das mesas. Esses sofriam de desemprego ou preguiça, com certeza. Todos examinados e sendo tratados, só faltava eu. Me perguntei qual seria minha doença. Não demorou muito e cheguei à conclusão. – Infelicidade múltipla dos órgãos. Me perguntei que bobagem era essa e comecei a tentar entender como esse vírus maligno tinha se apossado de mim. Era a simples infelicidade em grande escala, repassada pra todas as partes do meu corpo. A infelicidade em seu estado bruto, correndo por minhas veias e chegando até meus órgãos. O sangue carregava infelicidade e o coração bombeava infelicidade. O círculo vicioso biológico continuava e o único antídoto era o álcool. Pensei em todas as decepções da minha vida e em todas as infelicidades que eu havia adquirido. Descobri que pra cada uma delas uma dose de infelicidade era produzida pelo meu corpo e expelida na corrente sanguínea. Em alguns casos a situação é reversível. Bastam alguns porres ou uma garota que tudo fica resolvido. No meu caso isso já não era mais possível. A doença se alastrara e atingira todos os meus órgãos. A infelicidade múltipla dos órgãos me consumia dia após dia e exigia enormes quantidades de bebida para acalmar seus efeitos colaterais. Chamei o enfermeiro e pedi mais uma injeção. Vi ele trazendo a seringa e esguichando pro alto. Estiquei o braço e me preparei para a picada. Ele serviu meu copo com a cerveja. Tomei um gole e ouvi ele me dizer um amigável – "Saúde!". Era tudo o que eu precisava.
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