sábado, julho 17, 2010
Um belo momento pra se suicidar
Era um belo momento pra se suicidar. O dia estava tranquilo, os carros passavam na rua e fazia frio. Mas era um frio aceitável e gostoso. Nada dessas coisas de bater o queixo. Eu gostava do frio. Eu gostava muito do frio. Era um dia muito agradável. Os carros passavam na rua e o sol batia manso na janela. Não me sentia triste, nem mesmo deprimido. Me sentia libertado. Tranquilo. A Day In The Life tocava no computador. Sempre pensei em morrer ao som dessa música. Seria sublime, ah, seria maravilhoso! Pensei em me jogar da janela, mas eu era muito medroso com altura. Não que eu gostasse disso. Eu não gostava de ter medo de muitas coisas, mas eu tinha. Na verdade eu era aterrorizado com várias coisas. Morrer e altura eram duas das mais significativas coisas, mas agora, eu tava numa boa. Era bonito. Soava bonito. Eu não comia nada há um bocado de horas, e tava numa ressaca tranquila. Era um dia tranquilo. A Day In The Life tocando no rádio e eu pensando em uma garota maravilhosa que me deu o fora num bar ontem. Eu sabia que eu era o tipo de pessoa a se manter longe de bares e baladas e shows e reuniões e vernisages e qualquer coisa desse tipo. Eu sempre soube que eu era o tipo de pessoa que tentou se manter fora de Hospitais, hospícios, igrejas e empresas. Eu sabia que as coisas iam acabar dando errado uma hora ou outra. E elas davam. E davam novamente. E eu continuava fazendo as mesmas bobagens. Indo em bares e levando foras de garotas. E continuando levando foras de garotas. Eu não desistiria tão fácil. Bons idiotas levam muito tempo pra aprender. Idiotas profissionais nunca aprendem. A garota cantava numa banda fantástica. Três garotas cantavam músicas da década de 30 e 40 acompanhadas por músicos de qualidade. Baixo acústico e saxofone. A garota tinha um topete incrível e era linda de morrer. Realmente de morrer. Dançava o groove da discotecagem que rolou depois do show de um jeito sensual e apaixonante. Diversos imbecis a cercavam como moscas de bar. Não me aproximei. Não ia ter jeito, eu não era bom nisso. Eu também não era bonito. Eu não estava bem vestido, e não era alguém importante. Eu não era nada importante. Não adiantava nem tentar. Voltei para a área de fumantes. Alguns cigarros seriam a dose certa pro esquecimento. Garotas vem e vão. Mais vão do que vem. Fumei um, dois ou três cigarros. Comprei mais duas cervejas. A noite parecia tranquila, mas eu não conseguia parar de pensar na tal garota. Um amigo apareceu com uma dose de uísque, era a salvação. Bebemos juntos. Mais algumas cervejas. Eu tinha que ir ver agora. Eu não podia deixar de ir vê-la. Eu morreria se vão a visse. Eu morreria se não estivesse com ela por mais alguns instantes. Eu morreria de qualquer forma, não importava a razão nem a maneira. Entrei no bar e a encontrei sentada na mesa. Sentei ao lado e puxei um assunto estúpido qualquer. Eu sempre conseguia falar coisas estúpidas. Eu sempre conseguia me mostrar um deplorável inseguro e babaca. Eu era um idiota profissional. Um soul tocava na discotecagem, a chamei pra dançar. Ela disse estar cansada. Pura balela. Pura balela. Eu era um idiota profissional, não podia deixar de ser. Falei no ouvido dela o que eu precisava falar antes que eu perdesse a coragem. Eu tava apaixonado por ela. Ela me disse pra não falar aquilo. Eu não deveria ter falado aquilo. Sabia que não deveria ter falado aquilo. Mas falei. E acho que falaria de novo. Bons idiotas demoram pra aprender. Idiotas profissionais nunca aprendem. Ela era linda, e não tava nem aí pra mim. Ela era linda e me dispensou de uma maneira incrível. Mas eu não me importava muito. Eu já era experiente nesse tipo de procedimento. Eu já tinha sido dispensado muitas vezes pra sacar o quanto a vida é dura. Eu já tinha encarado a rejeição de frente muitas vezes pra sacar que as coisas não são como você pensa que são quando ouve teus discos e escreve meia dúzia de palavras bonitas. Eu sacava que o inferno tava ali do lado e que a gente só tava se mantendo afastado o tempo que fosse possível. Eu sabia bem que a corretenza tava forte e os galhos que nós estavamos agarrados não iam durar muito tempo. O dia estava tranquilo lá fora, minha ressaca estava tranquila também. Ouvia John Lennon cantar Jealous Guy e pensava em quedas de janelas. Era uma grande idéia. Prédios eram uma grande idéia, mas quedas da janela eram uma coisa ainda mais fantástica. Eu precisava escapar daquilo tudo enquanto fosse tempo. Eu precisava guardar esse momento fantástico pelo tempo que fosse preciso. Eu podia ser um grande escritor, oh, Deus, eu podia ser grande! Eu podia ser grande em muitas coisas! Eu podia ter aquela garota. Eu podia ter aquela garota se ela me quisesse. Eu podia ter todas as garotas do mundo se elas me quisessem. Eu podia ter aquela garota e amar ela como se fosse a última coisa que eu fizesse na minha vida. Eu podia abandoná-la de manhã quando acordasse de ressaca. Mas eu não faria isso. Eu não era o tipo de cara que fazia isso. Eu era um idiota profissional. Eu provavelmente a acordaria aos beijos e traria café na cama, ou qualquer coisa estúpida do tipo. Eu sabia muito bem como ser estúpido. O dia estava um arraso lá fora. O frio estava tranquilo e os carros passavam devagar na rua. John Lennon cantava Jealous Guy e eu me sentia incrivelmente tranquilo. Era um belo momento para se suicidar.
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