Não sou nenhuma espécie de psicólogo de ninguém, nenhuma espécie de antropólogo de nada e nem nenhum pesquisador de coisa alguma. Não gosto desses tipos, no geral. Eles pensam que podem avaliar a alma das pessoas como se fossem pedaços de carne pendurados no açougue. Eles pensam que estão fazendo um grande bem para a humanidade classificando-a como este ou aquele protótipo de gente. Não acho que todos sejam ruins, e nem devo achar isso, só não posso concordar com seus métodos de avaliação. Não me julgo alguém que pode definir o que outra pessoa sente ou faz, e não suporto que façam isso comigo.
Não faça com os outros o que não quer que façam com você. Alguém disse isso, Jesus talvez, eu não sei, nunca fui de ler muito a bíblia, apesar de ter tido uma educação católica quando criança. Só lembro que minha mãe e meu pai me diziam isso. Acho que devo concordar. Não quero que as pessoas metam seus dedos sujos em minha cara para dizer absurdos sobre o que elas pensam saber de mim, e não quero fazer isso com elas também. Não acho que eu deva me preocupar com o que cada um faz de sua vida. Só saber o que estou fazendo com a minha já está de bom tamanho. E esta tem sido uma tarefa dificílima.
O cinema tem sido minha grande saída para os mais diversos problemas. O cinema é uma terapia, uma manifestação de diversas coisas, uma expressão de sentimentos magnífica, uma arte. Federico Fellini e seu 8 e ½. A doce vida, que não é nada doce. As noites de Cabíria. Oh, adorável Cabíria. Estou apaixonado por você. Uma garota sofredora e ingênua e de uma alma tão bela. E meus caros Marcelo e Guido, brilhantemente interpretados por Marcelo Mastroanni, não há como não dizer que não me identifiquei com vocês. Teve vezes que me vi ali, descrito naquela tela. Acho que era isso que eu procurava. É tudo o que eu procuro. Uma xícara de café pra espantar a solidão. Maços de cigarro fumados em vão. A fumaça entrando fundo pela garganta até o pulmão, depois se espalhando pelo ar como pensamentos perdidos ao léu. Pensamentos que vem e vão todos os dias em todos os lugares.
A janela, meu lugar favorito. Não há nada como pensar na vida olhando para a janela numa madrugada, com o cigarro entre os dedos, e a fumaça subindo e se dissipando pela cidade que nunca dorme. E todas as luzes apagadas e umas poucas acesas só pra me deixar curioso sobre o que está acontecendo naquele lugar. Ás vezes é só alguém que tem medo de escuro. Tive medo do escuro por muito tempo. Ás vezes ainda acho que tenho, mas isso não tem tanta importância, já que não tenho um abajur e nas poucas vezes que tentei dormir de luz acesa tive que me levantar durante o sono para apagá-la pois não conseguia realmente pegar no sono. O verdadeiro sono. Leve e sublime. Como um bebê. Como uma rocha. Como um urso preguiçoso em sua caverna da floresta. A cidade que nunca dorme. As corujas e os morcegos estão à solta pelas ruas. Como um jovem preguiçoso em seu apartamento na selva de pedra.
O cinema é a janela da vida. O grande cinema. O verdadeiro cinema. É a fuga da realidade, e ao mesmo tempo o maior choque que se pode ter com ela. É o registro de belíssimas histórias. De horríveis histórias. De tristes histórias, e de qualquer outra coisa que você quiser compartilhar. E os sentimentos, ah, os sentimentos. Estes são indescritíveis. Como o vento no rosto em um dia de verão. Como uma taça de vinho com a bela amada. Como o cigarro depois da refeição. É algo acima do bem e do mal. É a transmissão de sentimentos, de vida, de entendimento, de beleza e de uma parte de Deus que está em cada um de nós. É algo que não pode ser tirado. É como as ondas do mar. Como as nuvens do céu. Como poesias baratas de um escritor de bar. Como almoços familiares de domingo. Como transar com a pessoa amada. Como bebedeiras memoráveis com seus grandes amigos. Como todas aquelas coisas que nunca vivemos e como todos aqueles lugares que nunca iremos. Como o tudo e como o nada.
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