Sabe qual é? A verdade é que eu não tava nem um pouco a fim de voltar pra São Paulo. Eu tava numa boa lá em Londrina, mas eu sei que uma hora ou outra eu ia acabar enlouquecendo como sempre acaba quando eu acabo ficando muito tempo em um lugar (mas eu sou muito cagão pra largar todas as comodidades que eu tenho na minha vida e sair por aí como vários caras que eu realmente admiro fazem) aí por isso e por um seminário estúpido da faculdade eu tive que me meter em um ônibus ás oito da manhã quando eu tinha dormido só umas duas horas e meia até ali, e fui viajando dormindo desconfortável naquelas poltronas de ônibus com meus óculos escuros na cara tentando amenizar a luz que entrava pelas janelas. Consegui dormir na maior parte do tempo, aí eu só descia nas paradas pra fumar um cigarro e quando voltava eu pegava o livro Gutemberg Blues do Mário Bortolotto e lia alguns dos textos, que são em sua maioria muito bons. O livro é um apanhado de textos que o Bortolotto fez quando fazia freelas e tinha uma coluna pra alguns jornais de Londrina nos anos noventa, e é um bocado divertido ver que o cara detonava e que pelo menos aparentemente Londrina já teve tempos muito melhores, mas talvez isso seja só um saudosismo de quem não se dá muito bem com a sua época e fica romantizando em como seria se tivesse vivido em outra, mas dá pra saber bem que cada um é cada um em qualquer época e que provavelmente estaríamos fazendo as mesmas cagadas e lamentando as mesmas coisas independente de quando vivemos.
Aí eu cheguei aqui em São Paulo e fui pra aula, e apresentei o tal seminário e deu tudo certo. E voltei pra casa e fiz um miojo e me servi uma dose de whisky com água de coco (eu sei que isso é uma frescura, mas eu não sou do tipo que se dá muito bem com whisky puro) e fiquei ouvindo o Little Walter puxando sua gaita, num baita blues fodão, e o Robert Johnson com suas gravações chiadas em takes duplos de fantásticas músicas delta blues. O que eu mais gosto no blues, além das fantásticas letras de caras que foram largados pelas mulheres ou tomaram um porre num bar qualquer ou simplesmente não encontram um signifcado pra isso tudo, é a levada de guitarra ritmada e crescente. Eu não toco nenhum instrumento, nem entendo muito bem de nada isso, mas eu me dou muito bem ouvindo música boa, e eu sei o que me agrada, e puta que pariu, tenho certeza que essa guitarra me agrada muito. E o bom e velho Charlie cantando e tocando sua gaita ferozmente enquanto o Willie Dixon arrebenta na guitarra. Isso não é pra qualquer um, não mesmo. Dá até aquela vontade maluca e utópica de juntar uma grana, jogar umas roupas na mala e descer pro Mississipi só pra ver como é que é estar lá no meio do sul dos Estados Unidos onde nasceu a coisa toda, ou pelo menos parte dela, mas eu tenho certeza que hoje está tudo diferente e que ia ser um bocado estranho pros negões e pros caipiras sulistas confederados virem um latino-americano cabeludo e esquisito chegando lá e falando que só quer ficar um tempo e ver como eles levam a vida. Toda essa coisa de ficar sentado na varandas das casas tocando um som e bebendo um borboun feito artesanalmente em algum sítio onde os caras sabem que o Blues é o som e que o country também é algo do caralho. Não tem muita explicação pra isso. Nunca tem. É só desejo, delírio e desejo. Posso ficar horas divagando sobre meus delírios e meus desejos, e escrevendo sobre eles também, mas é óbvio que isso não interessa a ninguém, e ás vezes nem a mim mesmo. Até lá eu vou me ajeitando do jeito que eu posso, reclamando e lastimando e escrevendo, até eu conseguir juntar uma grana ou principalmente animo e inspiração pra fazer algo realmente legal e me dar bem por aí, ou pelo menos me sentir realmente bem num canto qualquer bebericando com meus amigos e falando bobagem e ouvindo blues numa boa, sem incomodar ninguém e sem ser incomodado por ninguém e nem por mim mesmo. Tomara que eu chegue lá algum dia. Tomara que todo mundo que merece chegue.
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