sexta-feira, outubro 23, 2009

Fome

Tornei-me uma ópera fantasiosa: vi que todos os seres têm a fatalidade da ventura: a ação não é a vida, mas o modo de gastar alguma força, um desenervamente. A moral é a fraqueza do cérebro.
A cada ser, várias outras vidas me pareciam devidas. Este senhor não sabe o que faz: é um anjo. Esta família é uma ninhada de cães. Com diversos homens, conversava com um momento de uma de suas outras vidas. - Assim, amei um porco.
Nenhum dos sofismas da loucura, a loucura que é internada, foi desprezado por mim; podia dizê-los todos, peguei o sistema.
Minha saúde ficou ameaçada, o terror vinha vindo. Caía em sonos de dias e, de pé, prosseguiam os sonhos mais tristes. Estava maduro para o falecimento; por uma rota de perigos, minha fraqueza me levava aos confins do mundo e da Ciméria, pátria da sombra e dos torvelinhos.
Tive de viajar, distrair os feitiços reunidos em meu cérebro. No mar, que amava como se ele fosse me livrar de uma sujeira, via se erguer a cruz consoladora. Tinha sido condenado pelo arco-íris. A Ventura era a minha fatalidade, meu remorso, meu verme; minha vida será sempre imensa demais pra ser dedicada à força e à beleza.
A Ventura! Seu fio, sensível à morte, me advertia ao canto do galo - ad matutinum ao Christus venit - nas cidades mais sombrias:

Ó estações, ó castelos!
Que alma é sem defeitos?

Fiz o mágico aprendizado
Da Ventura, quem se esquiva.

Salve ela cada vez
Que cante o galo gaulês.

Ânsia já não sentirei,
Ela de mim tomou conta.

Seu encanto me salvou,
Dispensou qualquer procura.

Ó estações, ó castelos!

E ela só irá embora, ai!,
No momento em que eu morrer.

Ó estações, ó castelos!

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Isso passou. Hoje sei saudar a beleza.


Arthur Rimbaud

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