sábado, agosto 29, 2009
.
Lembro de ter chegado bêbado e que já passavam das seis da manhã, o sol raiava lá fora e eu me sentia absolutamente iluminado aqui dentro do meu quarto. É como minha caverna pessoal, e ás vezes eu passo tanto tempo aqui dentro que quando saio na rua de novo sinto até uma sensação de surpresa com o sol, as pessoas e essas coisas todas que estão pelas ruas. Lembro ter tentado cortar os pulsos com uma faquinha de cozinha, mas não era por tristeza, e sim por uma felicidade estranha que é quase impossível descrever em palavras. Eu tava ouvindo Neutral Milk Hotel no máximo volume no meu fone de ouvido pra não atrapalhar o resto do mundo, e então eu tive uma espécie de satori espiritual e foi simplesmente fantástico. Eu percebi que não havia nada com o que se preocupar, nem nada pra almejar, nem lugar em que eu quisesse estar. Eu não queria mais nada, e não precisava querer mais nada. Era como se eu tivesse alcançado o vazio naqueles poucos minutos, e eu não precisava de mais nada além de ir. E meu Deus, como aquilo era magicamente belo e poético como versos rimbaudianos escritos num parque iluminado de Paris. Não havia nada de ruim, de horrível e de triste no mundo e muito menos em mim. Eu era um cavalheiro do darma, um ser iluminado, mas isso não era expressado em mim como algo a se orgulhar ou se envergonhar ou se entristecer. Eu simplesmente havia alcançado a paz absoluta no meu coração e meu inquietante espírito se agitava de uma maneira tranquila como se tivesse finalmente entendido o significado de sua existência, e me senti como um Paulo Leminski ou Jack Kerouac em seus dias de budismo e de ambos os envolvimentos com a cultura oriental, mas apesar de toda minha ignorância nesses assuntos eu poderia jurar que ali eu havia finalmente atingido um ápice de tranquilidade inimaginável. Subi na cadeira, me olhei no espelho e não me reconheci. Era óbvio que era apenas um delírio bêbado, e isso ficou claro quando eu quase me caí no chão ao subir na cadeira pra louvar o céu, que na verdade era o teto do meu quarto e que é o chão do apartamento de cima e que está coberto por dezenas de outros apartamentos. Mas nada daquilo me importava na hora. Tentei escrever um hai-kai, um poema ou qualquer linha, mas simplesmente não havia o que escrever. Tudo o que eu precisava expressar ou sentir já estava impresso em minha alma, e eu era fantásticamente agraciado com a explosão da magnitude dos meus sentidos zen em uma tranquila reflexão pessoal e infelizmente pouco durável. Desliguei as luzes, vesti um pijama e fui dormir. Acordei horas depois, com a sede da ressaca e a memória comprometida. Sentei em frente ao computador ainda zonzo de sono e de ressaca e comecei a escrever. Então era isso que os iluminados faziam?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário