sexta-feira, agosto 28, 2009

É claro que vai voltar. Eu sempre tive certeza disso, desde o primeiro momento em que essa espécie de paz ou sei lá que tipo de calma havia pousado sobre meu espírito. Eu aproveitei aquilo, e acho que ainda estou aproveitando, mas eu sempre tive a total certeza de que uma hora a porra toda ia voltar e ia ser ruim como sempre é. Tudo o que eu tinha a fazer era ficar bem tranquilo curtindo meu momento de paz, afastando os maus pensamentos e me preparando pra quando a tempestade voltasse a cair. É algo como estar preparado pra um ataque de bomba nuclear. E foi tudo isso que eu fiz nesses dias. Bebendo algumas cervejas tranquilamente (vez ou outra tomando um porre mais forte, mas sempre tranquilo e psicologicamente tão bem que no dia seguinte eu nem mesmo tinha ressacas), lendo meu livrinho do Jack Kerouac, Big Sur, que conta a história de como esse fantástico escritor enlouqueceu depois de um certo tempo nesse mundo. Eu ainda tô muito novo pra enlouquecer de verdade, e ás vezes acho que tô muito novo pra já ter esssa desesperança toda. Simplesmente não faz sentido nenhum. Foi algo parecido com o que eu pensei hoje quando eu tava na porta do boteco fumando um cigarro com um amigo e um muleque de uns oito ou dez anos apareceu e me pediu um cigarro. Ele tava com mais dois ou três camaradinhas dele, alguns com caixa de engraxate nas costas, todos muito maltrapilhos e provavelmente moradores das ruas do centro da cidade. Eu sabia que um cigarro a mais ou a menos não ia fazer diferença pra vida daquele muleque, mas relutei um tempo antes de dar. Meu amigo perguntou a idade dele e o guri não respondeu. Eu tava ali com o maço na mão pronto pra tirar um cigarro e dar pra ele, quando o filho da puta puxou o maço da minha mão e saiu correndo. Dei um pique pra tentar alcançar o muleque, e até ia dar, mas naqueles poucos segundos eu pensei que seria uma grande filha da putice bater em alguém daquela idade. Eu nem sou um cara violento, e nem sou do tipo que dá tanto valor assim a um maço de cigarro quase cheio, mas na hora fiquei meio puto. Voltei pra dentro do bar e dois dos camarinhas dele estavam lá. Disse que era bom chamarem o amigo deles pra devolver meu cigarro ali se não eu ia chamar a polícia. Eles patéticamente e num teatro muito mal ensaiado aprendido só por quem vive na rua disseram que não conheciam o mulequinho com quem tinham entrado ali minutos antes. Sairam logo depois e segui até fora. O muleque que tinha roubado meu cigarro tava com mais outro, também criança, na outra esquina. Saíram rápido e logo desataram a correr com medo de que eu realmente tivesse chamado a polícia. Dei umas tragadas no único cigarro que tinha me restado e a raiva passou. Pra falar a verdade fiquei pensando em tudo que aquela mulecada malandra passava todo santo dia. Devia ser foda viver daquele jeito. Comprei outro maço e voltei pra casa. Eu tinha uma casa, uma cama, computador, tevê, dvd, microondas, comida e essas porras todas. O mundo era uma grande merda injusta, e aí depois de um tempo eu voltei a pensar em como eu também tava tão perdido quanto aqueles muleques no meu universo particular. Enquanto eles procuravam sua sobrevivência nas ruas, eu procurava minha sobrevivência na minha cabeça. Coloquei pra tocar o primeiro disco do Bufallo Springfield e me senti terrívelmente confuso. Eu tava ali, duas da madrugada pensando em porque eu simplesmente nunca conseguia me sentir bem, independete do lugar em que eu estivesse ou do que eu estivesse fazendo. Fiquei ali considerando toda a porcaria em que eu estava metido, e em como aquilo não tinha nenhum valor. Era como se houvesse um verdadeiro caos dentro de mim, enquanto lá fora tudo corria como sempre. A noite quieta, os muleques em algum canto da cidade fumando os cigarros e tentando descolar algo pra comer e um lugar pra dormir, eu aqui dentro com um rango na barriga, uma cama e a cabeça cheia de merda. Eu não sei se Deus existe, e tenho minhas próprias convicções religiosas, mas de alguma forma eu acho que ele ou quem criou tudo isso do jeito que é é um grande sádico. Pobreza material e pobreza espiritual. Qual é a grande diferença? Estamos todos no mesmo barco, e afundando mais rápido do que dá pra perceber. Tive vontade de me meter em um ônibus pra qualquer lugar e sumir por uns tempos. Mas apesar de ter bem mais dinheiro que a mulecada, eu não tinha dinheiro suficiente pra fazer isso, e nem mesmo podia largar tudo do nada. Parecia que independente do que acontesse, eu sempre estaria amarrado a coisas sem importância que me manteriam fazendo coisas desinteressantes e me deixarem do mesmo jeito pra sempre. E parecia que todo mundo vivia assim também. Quantas pessoas estariam por aí agora? O que estaria passando na cabeça de cada uma delas? E meu Deus, quantos poemas e quantas linhas estariam sendo escritas nesse exato momento? Eu não conseguia enxergar a linha entre o fascinante e o entediante entre o mundo. Era como se ela não existisse, como se isso tudo fosse misturado e alternasse conforme a vontade dos demônios e dos anjos presentes na minha cabeça. Eu sempre dizia que esperava pelo pior, mas de uma maneira pessoal, secreta e esperançosa eu também esperava pelo melhor, ou pelo menos por algo que compensasse tudo isso. Mas qual seria o valor de viver todos os dias? Era um mundo injusto, e não havia nada que nós pudessemos fazer pra mudar isso.

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