"Esse sujeito, esse Kemp, não é um jovem exemplar. Foi criado com dois banheiros e futebol americano, mas em algum ponto da história alguma coisa deu errado. Agora tudo o que ele quer é Fugir, Cair Fora. Não está nem aí para St. Louis nem para seus amigos, sua família ou qualquer outra coisa... tudo o que ele quer é encontrar algum lugar onde consiga respirar..."
Hunter S. Thompson - Rum: Diário De Um Jornalista Bêbado
quinta-feira, julho 21, 2011
Mas tudo isso não passava de masturbação mental. No fundo, sabia que não desejava nada mais do que uma cama limpa, um quarto iluminado e algo de concreto que eu pudesse chamar de meu, até qeu ficasse cansado. No fundo da minha mente, pairava uma suspeita terrível de que eu finalmente superara uma fase. O pior é que não me sentia nem um pouco mal com isso, apenas cansado e um tanto confortavelmente distante.
Hunter S. Thompson - Rum: Diário De Um Jornalista Bêbado
Hunter S. Thompson - Rum: Diário De Um Jornalista Bêbado
"Os amigos vão se tornando cada vez menos importantes. Adoro Francis [Ford Coppola] e Steven [Spielberg], mas nós não nos vemos com tanta frequência. Não espero mais muita coisa das pessoas e não quero que elas esperem muito de mim. Só quero que me deixem em paz."
Martin Scorsese - Como a Geração Sexo, Drogas e Rock'n'Roll salvou Hollywood
Martin Scorsese - Como a Geração Sexo, Drogas e Rock'n'Roll salvou Hollywood
segunda-feira, julho 18, 2011
O disco do Stevie Wonder girava na vitrola enquanto eu acompanhava com os olhos a bolacha girar 33 rotações por minuto. Eu tinha entornado algumas latas de cerveja e dado uns dois tirinhos, então estava acelerado e enérgico como uma pilha. O disco do Stevie Wonder era ótimo, mas seu experimentalismo calmo e cool não ajudava a me animar. Saquei o disco e coloquei Exile on Main St, meu disco favorito dos Stones. A voz do Mick Jagger ecoou pela sala, enquanto eu pulava de um lado pro outro sem saber muito bem o que fazer. Era uma merda ficar sozinho nesse tipo de situação. Pilhado e querendo conversar, mas sem ninguém por perto. Ouvi algumas faixas do disco bebendo mais algumas cervejas, sentei em frente ao computador e comecei a digitar as primeiras coisas que vieram à cabeça. Quatro poemas sobre colhedores de arroz vietnamitas, dois sobre pick-ups do meio-oeste norte-americano, dois sobre uma garota que conheci na escola há uns dez anos atrás e um sobre a posição das garrafas de cerveja no canto da lixeira do quarto. Todos eram horríveis. Comecei um roteiro, sobre um garoto que pula no pescoço do amigo depois de um dia de loucura, e joga fora uma amizade de anos por pura bobagem, mas também ficou horrível. Desisti de tudo, virei o disco dos Stones e terminei as cervejas e a noite ouvindo blues. Ainda pilhado, considerei ir até algum lugar. Era uma ideia estúpida, então apaguei as luzes e me meti na cama. Fazia um frio considerável, me cobri e esperei o sono vir. Ele não veio, então passei boa parte da noite me revirando no colchão. Consegui pegar no sono quando o dia amanhecia. O sol era bonito ás seis da manhã, mas me arranhava os olhos e atrapalhava meu sono.
Recuperando minha criança interior
Em Julho de 2010 eu havia sido abandonado por mais uma garota e estava emocionalmente em frangalhos. Eu recém havia me demitido de meu cretiníssimo emprego numa empresa de call center líder de reclamações, então passava o dia todo trancado em casa, assistindo filmes antigos, ouvindo discos e colecionando moedas para conseguir comprar cigarros. Com sorte também descolava um jeito de beber, e era basicamente o que mais fazia naquela época. Comecei a ver uma terapeuta. Ela me disse para ler alguns textos e refletir sobre minha vida. Me passou um texto que dizia que deviamos recuperar nossa "criança interior". Achei aquilo uma grande bobagem. De certa forma, eu nunca havia mesmo deixado de ser uma criança, logo, não precisava recuperar minha "criança interior" ou qualquer outra coisa desse tipo. Precisava era recuperar minha auto estima e conseguir algum dinheiro.
A terapeuta me mandou ver um psiquiatra. Disse que eu tinha síndrome maníaco-depressiva. Fui até o tal psiquiatra. Ele conversou comigo durante cinco minutos e receitou um medicamente, com ordens expressas de que eu não deveria beber. "Isso não vai ser possível, doutor", foi o que respondi. Ele disse que eu deveria evitar beber em excesso enquanto estava sob medicamento. É óbvio que descumpri suas recomendações.
A terapeuta continuava me dizendo bobagens. Dizia que eu deveria encontrar a alegria nas pequenas coisas da vida. Para ela, eu era ácido, irônico e mal-humorado, e não posso dizer que ela estava errada. Não sei se foi o medicamento que fez algum tipo de efeito, mas com o tempo passei a me sentir melhor. Parei de frequentar a terapeuta. Mudei de cidade, arranjei um novo trabalho e nunca mais vi a garota que havia me abandonado. Na última vez que ouvi falar dela, estava namorando e feliz. Me senti bem por aquilo. Eu ainda bebia e ouvia das raras garotas com quem saia de que eu agia como uma criança, e que deveria parar de beber e amadurecer. Mais uma garota me largou, mas agora eu já não me importava muito. Comprei algumas garrafas de uísque e passei alguns dias jogando video-game e lendo gibis. Percebi que a terapeuta estava certa. Recuperar minha criança interior era mesmo algo importante.
A terapeuta me mandou ver um psiquiatra. Disse que eu tinha síndrome maníaco-depressiva. Fui até o tal psiquiatra. Ele conversou comigo durante cinco minutos e receitou um medicamente, com ordens expressas de que eu não deveria beber. "Isso não vai ser possível, doutor", foi o que respondi. Ele disse que eu deveria evitar beber em excesso enquanto estava sob medicamento. É óbvio que descumpri suas recomendações.
A terapeuta continuava me dizendo bobagens. Dizia que eu deveria encontrar a alegria nas pequenas coisas da vida. Para ela, eu era ácido, irônico e mal-humorado, e não posso dizer que ela estava errada. Não sei se foi o medicamento que fez algum tipo de efeito, mas com o tempo passei a me sentir melhor. Parei de frequentar a terapeuta. Mudei de cidade, arranjei um novo trabalho e nunca mais vi a garota que havia me abandonado. Na última vez que ouvi falar dela, estava namorando e feliz. Me senti bem por aquilo. Eu ainda bebia e ouvia das raras garotas com quem saia de que eu agia como uma criança, e que deveria parar de beber e amadurecer. Mais uma garota me largou, mas agora eu já não me importava muito. Comprei algumas garrafas de uísque e passei alguns dias jogando video-game e lendo gibis. Percebi que a terapeuta estava certa. Recuperar minha criança interior era mesmo algo importante.
sábado, julho 16, 2011
the last girl who laid with me
never set herself free
she found redemption
in the arms of other man
she found true love
and for him she'd stand
at his side she felt beauty
at his side she felt great
I wonder in which point
I made more mistakes.
now heaven is no paradise
as i lay in my bed
i dream about a time
of completely knowledge.
she's out in the world
I'm locked in my room
I wonder what for
she said "see you soon".
never set herself free
she found redemption
in the arms of other man
she found true love
and for him she'd stand
at his side she felt beauty
at his side she felt great
I wonder in which point
I made more mistakes.
now heaven is no paradise
as i lay in my bed
i dream about a time
of completely knowledge.
she's out in the world
I'm locked in my room
I wonder what for
she said "see you soon".
quinta-feira, julho 14, 2011
terça-feira, julho 12, 2011
Taróloga Carmem
Naquele tempo eu trabalhava como estagiário de comunicação em uma empresa cultural. Meu trabalho consistia basicamente em selecionar algumas notícias de outros veículos para postar no site da empresa e ficar o resto do tempo fingindo que eu estava fazendo algo de verdade atrás do computador, o que era consideravelmente difícil, já que dedicava boa parte aos sites de humor e tinha que manter a expressão séria.
Voltando de metrô para casa, descia na estação e via um homem de cerca de quarenta anos, franzino, quase careca e usando óculos parado em frente à saída da estação, entregando panfletos aos transeuntes. Normalmente eu não costumava pegar aqueles panfletas, pois já sabia do que se tratavam, mas naquele dia, talvez afetado por uma consciência fraternal á condição trabalhista daquele homem que eu via todos os dias, decidi pegar um dos papéis. Bati o olho e lá estava o anúncio:
Taróloga Carmem
Resolvo todos seus problemas e aconselho sobre os caminhos de sua vida
*Amor
*Saúde
*Vícios
*Negócios
*Depressão
Numerologia, tarô indiano, búzios africano, vidências nas águas místicas. Trago a pessoa amada com rapidez e garanto seu sigilo. Venha me visitar, descontos especiais.
Há pouco tempo eu havia sido abandonado por mais uma garota. Não que eu me importasse muito, mas aquilo devia ser um sinal importante. Minha saúde sempre fora boa, mas ultimamente, talvez pelo cigarro, eu vinha tendo crises de tosse intermináveis e sendo atacado por gripes semanalmente. Vícios, eu mantinha dois, bebia e fumava compulsivamente todos os dias. Nos negócios a situação também não estava melhor. Devia duzentos reais ao banco, e com meu pequeno salário ainda longe de vista, sabia que com os juros predadores e meus gastos usuais a chance de dobrar o valor era considerável. Depressão, bom, disso eu não podia reclamar. Já havia tido meus tempos ruins, mas agora me conformava com uma sorte pouco favorável que havia se instalado há alguns anos. Pra ser mais correto, desde a adolescência.
É claro que eu sabia que tudo aquilo não passava de bobagem. Certa vez, numa feirinha do litoral, paguei cinco reais pra uma pobre cigana idosa supostamente ler minha mão. Ela disse que eu encontraria a garota da minha vida e arranjaria um grande emprego. Eu estava desempregado e solteiro há um tempo considerável. Nada aconteceu durante um tempo, e tive ainda mais certeza que a pobre cigana de nada sabia. Tempos depois, consegui um emprego como operador de telemarketing. Foi o pior emprego que já tive. Ao menos, trabalhando lá, conheci uma garota e me apaixonei perdidamente. Ficamos juntos por um tempo, pouco. Logo depois, ela me abandonou por um estudante de medicina. A cigana tinha acertado exatamente o contrário. Pobre cigana. Pobre de mim.
Apsar dos pesares, talvez a taróloga Carmem fosse melhor. Eu não tinha nada a perder. Quer dizer, eu poderia me endividar ainda mais, mas nada que fosse piorar muito minha já lastimável situação. E se a taróloga Carmem soubesse o que me dizer? De súbito, andei até o endereço indicado. Um pequeno cartaz mal-feito estava colado a parede da pequena e estreita porta. Toquei a campainha e uma voz surgiu no interfone lateral.
- Pois não?
- Vim pra ver a taróloga Carmem, a que resolve todos meus problemas.
- Pois bem, pode subir.
A porta fez um barulho e se abriu. Uma longa escada levava a um lugar escuro. Andei até lá. Carmem estava sentada em uma antiga poltrona, atrás de uma mesa redonda com uma toalha púrpura, onde cartas e pedras estavam espalhadas por cima.
- Pois bem meu jovem. Quais são seus problemas?
A taróloga Carmem tinha uma voz áspera e falava devagar. Fiquei estático, não sabia que diabos havia ido fazer ali.
- Senhora Carmem, vossa senhoria Carmem, excelentíssima Carmem, não sei como devo chamá-la...
- Apenas Carmem.
Ela me interrompeu.
- Pois bem, senhora Carmem. Gostaria de saber como conseguir uns trocados. É que ando passando por algumas dificuldades financeiras e...
- Você trabalha, meu filho?
- Trabalho sim senhora, dona Carmem.
- Você bebe, meu filho?
- Bebo sim senhora, dona Carmem.
- Beber faz mal. Parar de beber tens quê.
A taróloga Carmem então falava como o mestre Yoda. Pode parecer bizarro, e até inacreditável, mas por alguma razão estapafurdia o fato da taróloga Carmem falar como mestre Yoda me confortava. Eu era um grande fã de Star Wars e acreditava que de alguma maneira, eu poderia também ser um nobre cavaleiro não descoberto, tal como Luke Skywalker.
- Primeiro parar de beber deve. Para isso deve tomar todos os dias dez gotas disso aqui.
Carmem jogou em minha direção um vidro com um líquido verde-escuro dentro. Decidi que era hora de ir embora. Aquilo já estava ficando muito estranho. Nem aspirina eu tomava, quanto mais um remédio de cor esquisita fornecido por alguém que se dizia taróloga.
- Isso é uma poção mágica extraída de animais silvestres da África e combinada com ervas medicinais do Amazonas. Parar de beber vai em alguns dias. Caso não tome, continuar a beber vai, e muito perderá em breve.
Aquilo me arrepiou. Pude sentir a onda de medo tomando conta de mim. A taróloga Carmem era mesmo maluca, e se tomar o líquido me parecia ruim, ser amaldiçoado por aquela senhora que falava como Yoda me parecia pior ainda.
- Tomarei, senhora Carmem, tomarei. Mas agora preciso ir embora. Quanto devo à senhora?
- Meu filho, esse medicamento é raro, então o preço não é barato. Mas pra você farei por setenta reais mais o preço da consulta, que é vinte.
Estava apavorado. Não tinha mais consciência de mim mesmo. Não sabia o que fazer. Fiz o que era mais óbvio.
- Tudo bem, senhora Carmem. A senhora aceita cartão de crédito?
A taróloga Carmem retirou de debaixo da mesa uma máquina de cartão. Paguei e fui embora pra casa, com medo e preocupado.
Passavam-se das nove da noite. Eu bebericava uma cerveja e ouvia um disco do Creedence na vitrola. A preocupação me consumia. Deveria tomar o remédio já comprado e estar à mercê do que acontecesse por ele ou aguentar as consequencias da praga da taróloga Carmem? Resolvi que tomar o remédio era a decisão mais sentada.
O gosto era ruim. Lembrava vinagre com toques de açucar. Porra de animais silvestres africanos e frutas amazonenses o caralho. Aquela taróloga safada fazia isso com mantimentos estragados da cozinha e vendia por setenta reais. Mas de certo modo, teve um bom efeito. O tal líquido dava um sono danado, e aquilo me ajudou um bocado com meu duradouro problema de insônia.
Alguns dias depois, parecia ótimo. Estava sempre disposto, e realmente bebia menos. Aos poucos conseguia pagar minhas dívidas. Voltei ao recinto de dona Carmem e comprei mais dois vidros da tal poção com gosto de vinagre e açucar.
A vida ia bem. De alguma forma, as pessoas me tratavam melhor. sobrava mais dinheiro, e eu me via frequentando restaurantes de alta gastrônomia e bebendo vinhos importados. Com moderação, como a taróoga Carmem me prescrevera. Indiquei Carmem a amigos próximos que passavam por problemas. "Peça a poção verde, é tiro e queda", indicava com conhecimento de causa. "Isso tudo é uma bobagem, Rick. Essa mulher é uma vigarista e você está louco". Cretinos. Mal conheciam a taróloga Carmem e blasfemavam sobre ela. A pobre mulher só estava tentando ajudar pessoas em apuros.
Um dia, voltando pra casa, encontrei o homem franzino de óculos que entregava os panfletos da taróloga Carmem. Há algum tempo não o via por ali, e agora aparecia sem panfletos nas mãos. Resolvi conversar com ele, saber a razão de ter largado um emprego que indiretamente ajudava pessoas a irem ao caminho dos sábios conselhos da taróloga e de sua incrível poção.
"Garoto, aquela mulher é uma vigarista. Sinto muito em ter te feito ir até lá e gastado seu dinheiro, mas ela é uma vigarista", foi o que ele me disse.
"Porque você estava falando isso? A taróloga Carmem me ajudou. Estou muito melhor agora tomando a poção de animais silvestres e frutas do Amazonas", repliquei.
"Quatro pessoas que tomaram estas poções malucas dela morreram, e mais uma dúzia está no hospital."
Aquilo me fez subir um frio à espinha. Em casa, joguei os vidros fora. De repente, comecei a passar mal. Seria eu mais uma vítima da maléfica taróloga Carmem? De repente, a visão ficou turva e desmaiei.
Acordei de frente para um teto branco. Barulho em volta, pessoas conversando e muito agito. Era um hospital. O homem franzino de óculos havia chamado uma ambulância para minha casa, já prevendo o pior. Passei meses me recuperando. A tal poção era uma mistura de porcarias caseiras que haviam atacado o fígado de quem fazia uso delas. Depois de um bom tempo de cama, voltei para casa.
Resolvi passar no recinto de Carmem para tirar satisfações. Na frente, não havia mais o cartaz com seu nome. Toquei o interfone e ninguém atendeu. Uma vizinha, me vendo parado em frente à porta, disse que Carmem havia mudado. Com o dinheiro, comprara um carro importado e sumira no mundo. Nunca mais ouviram falar dela.
Voltei a beber, e me demiti de meu emprego. Tempos depois, fui preso por atacar uma cigana que agarrou minha mão numa calçada do centro da cidade. Soube que o homem franzino se suícidou de remorso. A polícia disse que a taróloga Carmem foi vista pela última vez no Rio de Janeiro. Havia realizado diversas plásticas e ao saber da procura dos oficiais havia fugido com um namorado modelo, loiro e alto para a Europa. Agora o problema era da Interpol, foi o que eles disseram. A taróloga Carmem conseguia mesmo resolver problemas. Ao menos, os dela.
Voltando de metrô para casa, descia na estação e via um homem de cerca de quarenta anos, franzino, quase careca e usando óculos parado em frente à saída da estação, entregando panfletos aos transeuntes. Normalmente eu não costumava pegar aqueles panfletas, pois já sabia do que se tratavam, mas naquele dia, talvez afetado por uma consciência fraternal á condição trabalhista daquele homem que eu via todos os dias, decidi pegar um dos papéis. Bati o olho e lá estava o anúncio:
Taróloga Carmem
Resolvo todos seus problemas e aconselho sobre os caminhos de sua vida
*Amor
*Saúde
*Vícios
*Negócios
*Depressão
Numerologia, tarô indiano, búzios africano, vidências nas águas místicas. Trago a pessoa amada com rapidez e garanto seu sigilo. Venha me visitar, descontos especiais.
Há pouco tempo eu havia sido abandonado por mais uma garota. Não que eu me importasse muito, mas aquilo devia ser um sinal importante. Minha saúde sempre fora boa, mas ultimamente, talvez pelo cigarro, eu vinha tendo crises de tosse intermináveis e sendo atacado por gripes semanalmente. Vícios, eu mantinha dois, bebia e fumava compulsivamente todos os dias. Nos negócios a situação também não estava melhor. Devia duzentos reais ao banco, e com meu pequeno salário ainda longe de vista, sabia que com os juros predadores e meus gastos usuais a chance de dobrar o valor era considerável. Depressão, bom, disso eu não podia reclamar. Já havia tido meus tempos ruins, mas agora me conformava com uma sorte pouco favorável que havia se instalado há alguns anos. Pra ser mais correto, desde a adolescência.
É claro que eu sabia que tudo aquilo não passava de bobagem. Certa vez, numa feirinha do litoral, paguei cinco reais pra uma pobre cigana idosa supostamente ler minha mão. Ela disse que eu encontraria a garota da minha vida e arranjaria um grande emprego. Eu estava desempregado e solteiro há um tempo considerável. Nada aconteceu durante um tempo, e tive ainda mais certeza que a pobre cigana de nada sabia. Tempos depois, consegui um emprego como operador de telemarketing. Foi o pior emprego que já tive. Ao menos, trabalhando lá, conheci uma garota e me apaixonei perdidamente. Ficamos juntos por um tempo, pouco. Logo depois, ela me abandonou por um estudante de medicina. A cigana tinha acertado exatamente o contrário. Pobre cigana. Pobre de mim.
Apsar dos pesares, talvez a taróloga Carmem fosse melhor. Eu não tinha nada a perder. Quer dizer, eu poderia me endividar ainda mais, mas nada que fosse piorar muito minha já lastimável situação. E se a taróloga Carmem soubesse o que me dizer? De súbito, andei até o endereço indicado. Um pequeno cartaz mal-feito estava colado a parede da pequena e estreita porta. Toquei a campainha e uma voz surgiu no interfone lateral.
- Pois não?
- Vim pra ver a taróloga Carmem, a que resolve todos meus problemas.
- Pois bem, pode subir.
A porta fez um barulho e se abriu. Uma longa escada levava a um lugar escuro. Andei até lá. Carmem estava sentada em uma antiga poltrona, atrás de uma mesa redonda com uma toalha púrpura, onde cartas e pedras estavam espalhadas por cima.
- Pois bem meu jovem. Quais são seus problemas?
A taróloga Carmem tinha uma voz áspera e falava devagar. Fiquei estático, não sabia que diabos havia ido fazer ali.
- Senhora Carmem, vossa senhoria Carmem, excelentíssima Carmem, não sei como devo chamá-la...
- Apenas Carmem.
Ela me interrompeu.
- Pois bem, senhora Carmem. Gostaria de saber como conseguir uns trocados. É que ando passando por algumas dificuldades financeiras e...
- Você trabalha, meu filho?
- Trabalho sim senhora, dona Carmem.
- Você bebe, meu filho?
- Bebo sim senhora, dona Carmem.
- Beber faz mal. Parar de beber tens quê.
A taróloga Carmem então falava como o mestre Yoda. Pode parecer bizarro, e até inacreditável, mas por alguma razão estapafurdia o fato da taróloga Carmem falar como mestre Yoda me confortava. Eu era um grande fã de Star Wars e acreditava que de alguma maneira, eu poderia também ser um nobre cavaleiro não descoberto, tal como Luke Skywalker.
- Primeiro parar de beber deve. Para isso deve tomar todos os dias dez gotas disso aqui.
Carmem jogou em minha direção um vidro com um líquido verde-escuro dentro. Decidi que era hora de ir embora. Aquilo já estava ficando muito estranho. Nem aspirina eu tomava, quanto mais um remédio de cor esquisita fornecido por alguém que se dizia taróloga.
- Isso é uma poção mágica extraída de animais silvestres da África e combinada com ervas medicinais do Amazonas. Parar de beber vai em alguns dias. Caso não tome, continuar a beber vai, e muito perderá em breve.
Aquilo me arrepiou. Pude sentir a onda de medo tomando conta de mim. A taróloga Carmem era mesmo maluca, e se tomar o líquido me parecia ruim, ser amaldiçoado por aquela senhora que falava como Yoda me parecia pior ainda.
- Tomarei, senhora Carmem, tomarei. Mas agora preciso ir embora. Quanto devo à senhora?
- Meu filho, esse medicamento é raro, então o preço não é barato. Mas pra você farei por setenta reais mais o preço da consulta, que é vinte.
Estava apavorado. Não tinha mais consciência de mim mesmo. Não sabia o que fazer. Fiz o que era mais óbvio.
- Tudo bem, senhora Carmem. A senhora aceita cartão de crédito?
A taróloga Carmem retirou de debaixo da mesa uma máquina de cartão. Paguei e fui embora pra casa, com medo e preocupado.
Passavam-se das nove da noite. Eu bebericava uma cerveja e ouvia um disco do Creedence na vitrola. A preocupação me consumia. Deveria tomar o remédio já comprado e estar à mercê do que acontecesse por ele ou aguentar as consequencias da praga da taróloga Carmem? Resolvi que tomar o remédio era a decisão mais sentada.
O gosto era ruim. Lembrava vinagre com toques de açucar. Porra de animais silvestres africanos e frutas amazonenses o caralho. Aquela taróloga safada fazia isso com mantimentos estragados da cozinha e vendia por setenta reais. Mas de certo modo, teve um bom efeito. O tal líquido dava um sono danado, e aquilo me ajudou um bocado com meu duradouro problema de insônia.
Alguns dias depois, parecia ótimo. Estava sempre disposto, e realmente bebia menos. Aos poucos conseguia pagar minhas dívidas. Voltei ao recinto de dona Carmem e comprei mais dois vidros da tal poção com gosto de vinagre e açucar.
A vida ia bem. De alguma forma, as pessoas me tratavam melhor. sobrava mais dinheiro, e eu me via frequentando restaurantes de alta gastrônomia e bebendo vinhos importados. Com moderação, como a taróoga Carmem me prescrevera. Indiquei Carmem a amigos próximos que passavam por problemas. "Peça a poção verde, é tiro e queda", indicava com conhecimento de causa. "Isso tudo é uma bobagem, Rick. Essa mulher é uma vigarista e você está louco". Cretinos. Mal conheciam a taróloga Carmem e blasfemavam sobre ela. A pobre mulher só estava tentando ajudar pessoas em apuros.
Um dia, voltando pra casa, encontrei o homem franzino de óculos que entregava os panfletos da taróloga Carmem. Há algum tempo não o via por ali, e agora aparecia sem panfletos nas mãos. Resolvi conversar com ele, saber a razão de ter largado um emprego que indiretamente ajudava pessoas a irem ao caminho dos sábios conselhos da taróloga e de sua incrível poção.
"Garoto, aquela mulher é uma vigarista. Sinto muito em ter te feito ir até lá e gastado seu dinheiro, mas ela é uma vigarista", foi o que ele me disse.
"Porque você estava falando isso? A taróloga Carmem me ajudou. Estou muito melhor agora tomando a poção de animais silvestres e frutas do Amazonas", repliquei.
"Quatro pessoas que tomaram estas poções malucas dela morreram, e mais uma dúzia está no hospital."
Aquilo me fez subir um frio à espinha. Em casa, joguei os vidros fora. De repente, comecei a passar mal. Seria eu mais uma vítima da maléfica taróloga Carmem? De repente, a visão ficou turva e desmaiei.
Acordei de frente para um teto branco. Barulho em volta, pessoas conversando e muito agito. Era um hospital. O homem franzino de óculos havia chamado uma ambulância para minha casa, já prevendo o pior. Passei meses me recuperando. A tal poção era uma mistura de porcarias caseiras que haviam atacado o fígado de quem fazia uso delas. Depois de um bom tempo de cama, voltei para casa.
Resolvi passar no recinto de Carmem para tirar satisfações. Na frente, não havia mais o cartaz com seu nome. Toquei o interfone e ninguém atendeu. Uma vizinha, me vendo parado em frente à porta, disse que Carmem havia mudado. Com o dinheiro, comprara um carro importado e sumira no mundo. Nunca mais ouviram falar dela.
Voltei a beber, e me demiti de meu emprego. Tempos depois, fui preso por atacar uma cigana que agarrou minha mão numa calçada do centro da cidade. Soube que o homem franzino se suícidou de remorso. A polícia disse que a taróloga Carmem foi vista pela última vez no Rio de Janeiro. Havia realizado diversas plásticas e ao saber da procura dos oficiais havia fugido com um namorado modelo, loiro e alto para a Europa. Agora o problema era da Interpol, foi o que eles disseram. A taróloga Carmem conseguia mesmo resolver problemas. Ao menos, os dela.
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