quarta-feira, fevereiro 09, 2011
"We're on a mission from God"
Coloco uma música triste do Tom Waits e fico pensando que diabos eu tô fazendo aqui de volta, aqui nessa cidade, no meio de milhões de malucos, mais um maluco, perdido, tentando encontrar o rastro de uma estrela cadente que me diga algo além de uma incerteza estranha que eu venho carregando desde que eu era só um garoto, mas afinal de contas, eu ainda sou um garoto. De volta a São Paulo, de volta a minha velha e detestável faculdade, de volta a tudo que eu não entendo e que nunca entendi (e que talvez nunca venha a entender), e tudo isso tentando encontrar soluções incríveis de ideias estapafúrdias e que provavelmente nunca serão colocadas em prática. Encontro um grande amigo por acaso na rua. Eu tava só procurando um apartamento no centro da cidade, naquele dia e nos últimos dois ou três eu tinha andando igual um maluco de cima a baixo da cidade, em vagões de metrô, em ônibus, a pé, principalmente a pé, descendo igual um maluco a paulista ao leste e a oeste, a nove de julho, a augusta, a brigadeiro luiz antonio, todas essas e mais algumas e todas as pequenas ruas também, procurando apartamentos para alugar, mas eu bem sabia que apesar do velho me bancar graças a essa faculdade terrível que eu detestava, eu não tinha grana pra um apartamento. Então eu finalmente tive que encarar a realidade e procurar umas pensões, mas isso é papo pra outra história, já que eu ainda nem encontrei um lugar pra morar e escrevo essas divagações sem sentido e sem propósito hospedado de favor na casa de um amigo de família que já avisou que de sexta não passa, e é por isso que eu tenho que correr atrás de um teto, mas como eu disse, isso é papo pra outra história. A história é que eu estava lá, na portaria, esperando pra subir e ver uma kitnet bem no centro detonado e underground da cidade, pensando que aquilo ali devia ser o mais próximo da Nova York dos anos 80 que o Brasil já tinha chegado, e de repente surge um figura de camisa social, calça preta, bota, chapéu, óculos e lenço, e eu sabia que eu conhecia aquele cara de algum lugar, mas que diabos, eu não conseguia lembrar de onde. Aí o cara para do meu lado e diz "Rick!", e tira os óculos, e era um figuraço de um amigo meu que eu tinha conhecido em Londrina há uns bons anos atrás, e que já em São Paulo o tinha reencontrado alguns anos depois também. E aí ele me disse que tava por ali, morando casado com uma namorada, e me contou suas histórias malucas e exageradas, com algumas lorotas cirurgicamente adicionadas e algumas elevações de qualidades claramente falsas, mas o lance era fingir que você tava acreditando, porque o cara era realmente bacana e se empolgava falando daquilo tudo. Elétrico, selvagem, o Joe era um cara realmente legal. Se agitava e me falava sobre as maluquices que tinha feito, como quando um dia cansado com os cíumes excessivos de sua mulher e após chegar completamente bêbado em casa, raspou todos os pelos do corpo pra tentar parar de atrair olhares nos bares e consequentemente evitar brigas com sua amada, que o bancava em seu apartamento e trabalhava enquanto ele tava por ali, vadiando comigo enquanto falavamos sobre livros de Reinaldo Moraes e John Fante. E aí ele me dizia, que sua tática de raspar não tinha funcionado muito bem, porque ainda assim algumas garotas olhavam pra ele nos bares, e eu concordava e balançava a cabeça e ria, e sacava o exagero, mas gostava daquilo tudo, porque o cara realmente sabia contar boas histórias. E aí ele sacou o celular, e mostrou uma foto de quando estava todo raspado, e aquilo era realmente feio. Sem os óculos era possível ver que as suas sombrancelhas ainda estavam ralas e visivelmente estranhas, e aí subindo a Augusta ele levantou a camisa e mostrou o peito e barriga com pelos recém-crescidos, tudo muito engraçado e estranho, e eu ria e concordava, e falamos sobre as mais diversas maluquices enquanto subíamos em direção ao bar mais próximo. E a próxima hora e meia seguiu toda essa toada, e aí eu tive que subir e encontrar outro amigo e continuar a bebendo, e pensei que, oras, pros diabos, não era de todo mal estar ali. Talvez não era de nada mal. Eu tava subindo a Augusta, passando por todo o tipo de gente estranha que lá em Londrina ia chamar atenção e causar no mínimo uns olhares tortos, muitos olhares tortos, mas aqui não tinha nada disso. Um mendigo usando um vestido, uma mulher gorda usando roupas com pompons, blusa curta e botas altas como as dos caras do Kiss, e mais um monte de gente diferente. E eu fiquei lembrando que lá em Londrina, a ex-capital do café, a cidade provinciana que se vangloria de ser a terceira maior da região sul, naquela cidade de quinhentos mil habitantes e só umas dezenas de almas pensantes eu também era um cara estranho, de calças jeans justas, camisetas dos Ramones, cabelo comprido, bebendo em botecos sujos com outros caras também muito estranhos, ouvindo discos que eles provavelmente achariam ser o som de uma abdução ou o fim da boa era da juventude, lendo livros que eles provavelmente considerariam depravados e vendo filmes dos quais eles se levantariam e sairiam da sala de cinema antes da primeira meia-hora, se esses filmes já tivessem sido exibidos na cidade algum dia. Que coisa era aquela. Talvez eu estivesse em casa. Sem rumo, sem casa, mas com alguma grana, alguns amigos, acho que ainda tinha um jeito de dar um jeito na vida. Tudo o que eu tinha que fazer era continuar com o copo cheio e a cabeça no lugar. E de preferência o resto do corpo também. Minha missão estava só começando.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
eu gosto de seus textos assim
Postar um comentário