segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Imagino se meu irmão algum dia lesse isso

Imagino se meu irmão algum dia lesse isso. Com certeza ele repudiaria, com gentileza eu espero, ele diria talvez o mar seja tudo o que você disse, uma máquina de sonhos, um olho de vidro e assim por diante, mas mesmo que seja verdade é melhor não dizer. Hoje posso lhe contar algo que nunca soube quando vivia ao seu lado, que é um luxo ser capaz de deixar as coisas não ditas, um luxo compartilhado por poucos. Os filhos do vento e das águas não precisam nomear o que seu sangue já sabe, mas quantos podem dominar essa economia, quantos mais devem arranhar e escavar o mundo de mil maneiras diferentes só para estabelecer uma mínima conexão com suas próprias vidas. Heróis e quase heróis, as crianças sagradas intencionavam as constelações à espera, elas podem desdenhar dessa forma de suplicar ao mundo horizontal com palavras e metáforas organizadas, mas não tenho o seu equilíbrio, como tantos têm, eu não inteciono nada, não estou apto a ascender em direção à glória, então devo tropeçar entre meus extremos, devo pechinchar pelo amor que terei, fora de minha breve história particular não há paixão que me revele, como nenhuma singularidade me reivindicou então devo ceder às desbotadas políticas do ordinário, e rogar aos deuses para que eu os prove irreais, assim como eu e meu irmão costumávamos embaçar as vidraças com nosso hálito para que pudéssemos desenhar nelas com os dedos. Ele desenhava contornos para os quais eu planejava olhos complicados, e ninguém te pede para decidir qual de nossos esforços era mais signficativo.

Leonard Cohen

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