Não havia nada acontecendo, nem mesmo havia nenhuma esperança de que algo ia mudar. Eu ia de casa para a faculdade, estava condenado a mais um mês abstêmio e fazia um frio do caralho lá fora. Essa última parte não era um grande problema, pois eu sempre gostei do frio, e sabe lá Deus porque essa temperatura sempre me fez pensar mais nas coisas e sempre me deixou em um estado atônito e fantasioso de que eu ia conseguir finalmente encontrar um sentido pra toda essa porcaria. Mas dessa vez era diferente. Não de um jeito trágico ou infeliz, somente de um jeito tedioso e completamente sem graça. Passava os dias vendo filmes e esporadicamente folheava algum livro. A faculdade era algo muito maçante e mesmo eu sabendo que podia estar aproveitando tudo e fazendo jus ao dinheiro e ao que quer que fosse, eu simplesmente não consiga sair do meu estado de estagnação e desesperança com qualquer que fosse o objetivo a ser atingido, se é que havia algum. No fundo mesmo eu achava que não havia nada a correr atrás e nem nenhum lugar a se chegar, e era isso o que mais me deixava desesperançoso quanto ao rumo em que a vida corria.
Palavras e frases não se formavam mais como antes. Não havia paixão, não havia nada a se pensar e eu me sentia um eterno e repetitivo espécime de ser humano a ser eliminado da face da terra sem fazer grande diferença. O vento batendo no rosto e os cabelos dançando atrás da cabeça e sacodindo todo enquanto apertava passo atrás de passo e tentava chegar a alguma solução para os fins que eu desejava atingir. Mas que fins? Essa era a maior questão. Não havia nada pra alcançar. Parafraseando meus autores favoritos e delirando em sonhos que nunca se realizariam. Eu era um grande infeliz e havia um grande vazio no peito, pois aquele poderia ser o precoce fim de um cretino jovem de dezenove anos que teve tudo e todas as oportunidades na vida para ser alguém mas nunca acreditou em nada e sempre se rebelou contra qualquer tentativa, pessoal ou de terceiros, de que algo podia ser feito.
Meus grandes amigos pareciam estar numa boa. Me sentia muito feliz por eles, de verdade. Não havia nenhuma pontada de inveja nem nada assim. Acho que era só isso mesmo que eu queria. Eu era um puta egoísta escroto e um farsante em tudo o que eu fazia, mas meus poucos amigos eram grandes caras e eu torcia pra que o mundo inteiro pudesse ver aquilo também. E acho que eles estavam começando a ver.
Eu tentava organizar em minha cabeça algum plano de ação para que tudo aquilo que rondava a minha cabeça se concretizasse em algo bonito no papel, mas a grande maioria das tentativas era em vão. A vida e a arte eram coisas realmente difíceis de se lidar, e eu pensava em até quando eu ia continuar me enganando em toda essa bobagem até perceber que eu não tinha talento nem coração necessários pra chegar a algum lugar. E enquanto isso eu desperdiçava o dinheiro dos meus pais e o meu próprio tempo fingindo ser um quanto legal e interessante e esperando algo cair do céu e ser descoberto. Mas muitos já haviam me dito que nada caia do céu, e por mais que eu convictamente soubesse daquilo e visse provas concretas todos os incansáveis dias de minha vida eu continuava persistindo no erro, e isso era algo que poderia custar muito caro no futuro, e talvez a conta já estivesse sendo cobrada e eu, medroso e covarde como sempre, não conseguia abrir os olhos pra ver.
Tive vontade de me entopir de soníferos e só acordar em dez anos. Seriam as coisas melhores no futuro? Haveria um bom futuro, ou essa medíocridade persistiria pelo tempo que fosse preciso? Talvez eu só andasse em círculos e quando me desse conta, minha vida inteira teria passado e eu estaria reclamando e lamentando sobre as mesmas coisas que reclamo hoje. Deus, ou quem estiver no lugar dele, sabe como eu pedi & rezei & supliquei para que tudo isso passasse e que eu pudesse ter de volta, ou ter pela primeira vez, um sentimento de vontade sagaz para alcançar o quer que fosse que estivesse destinado a mim. E se não houvesse nada destinado a mim? As dúvidas martelavam na minha cabeça e me faziam contorcer como uma cobra venenosa sendo morta à pauladas. E talvez eu fosse isso mesmo. Uma jovem e maldita cobra, com atitudes hipócritas e alma egoísta, sendo corrompido por meu próprio veneno e invejando todos os outros animais seguindo seus caminhos e cumprindo suas funções. Eu era um maldito sonhador, um maldito filho da puta e deveria ter sido um bruxo na inquisição e sido queimado em praça pública para servir de exemplo de que o egoísmo juvenil e o sonho imbecil não levam a lugar nenhum além da desgraça eterna. Ah, eu não sou esse tanto dramático, pelo amor de Deus, não pode ser. Eu acho que sou um cara legal até, sabe. Eu me divirto, faço piadas, fico bêbado e me dou bem com um montão de gente. Não é possível que eu tenha todo esse veneno dentro de mim. Eu não sei quem o colocou ali, talvez tenha sido eu mesmo, com minhas atitudes e pensamentos, mas ah Deus ou sejá lá a força superior que nos conduz aqui embaixo. Eu só queria uma chance de verdade, um daqueles insights de talento comparáveis a um Salinger e então eu poderia fazer uma só obra e mostrar que eu era capaz, e mostrar que qualquer um era capaz, e que todos somos abençoados & mágicos & belos por dentro, e que por piores que sejam os demônios que teimam em tentar nos controlar em nosso interior, nós eramos maiores que aquilo e eramos grande e havia um espaço no céu reservado a nós. E nesse céu haveria um grande bar com mesas e cadeiras confortáveis e as melhores bebidas e todos os caras com que sonhamos conversar e ah.... não há mais o que dizer. Eu estou me alongando demais em algo sem futuro, me iludindo em um mar de devaneios patéticos de um adolescente inato ao talento. Acho que eu só queria continuar arrastando uma desculpa para continuar sendo esse medíocre pra sempre, e depois quando tudo acabasse eu diria que eu poderia ter tido chances melhores, mesmo sabendo que eu as tive e não as aproveitei. Tenho vontade de vomitar ao ler tudo isso que escrevi. Tenho nojo & ódio de mim mesmo e me sinto o mais patético dos seres humanos.
Esses dias eu vi uma foto com alguns jovens, bonitos e saudáveis e eles pareciam estar todos se divertindo, e tive inveja daquilo tudo. Quer dizer, eu sabia que poderia ser tudo aquilo se quisesse também, mas eu simplesmente não era. Eu havia me trancado em minha própria jaula e não havia mais chave pra me tirar de lá. E eu ficava ali, esperando que as pessoas atirassem um pouco de suas experiências pessoais para que eu pudesse ter só um gostinho. Não alimente os animais, é a regra de todo zoologico. Era o fim, eu acho. Não sei até quando tudo ia durar, não sabia mesmo se ia durar e nem sabia pra onde eu estava indo ou quem eu era. Acho que eu não sabia de nada, e não havia sentido em continuar tentando descobrir o que eu nunca ia saber.
Nenhum comentário:
Postar um comentário