Era um domingo como outro qualquer. Eu estava com uma ressaca daquelas. Rolava pra um lado e pro outro da cama e andava pelo quarto sentindo vertigens estranhas. A ressaca estava suportável. Esquentei uma lasanha de microondas e fiz suco de maracujá congelado no liquidificador. Comi assistindo a um jogo de futebol. Continuei andando por ali. Não tinha muito o que fazer nesse dia. Pensei em ir até uma feira de antiguidades a algumas quadras de casa. Não tive animo pra isso. Continuei deitado olhando pra televisão. Desliguei e fiquei lá sentado. Malditas ressacas dominiciais. Sempre me consumindo como nunca. Domingo era simplesmente o dia mais livre e mais perdido que existia. Nada dessa porra de descansar. Meu único propósito nessa merda de dia era me curar da ressaca. Meu único objetivo na maioria dos dias era continuar vivo e não fazer nenhuma besteira. Até então estava tudo certo. O maldito trânsito nas ruas. Não me importava nem um pouco. Não andava de carro quase nunca. Meu meio de transporte eram minhas próprias pernas, e pra minha felicidade eu morava muito próximo de tudo o que eu precisava fazer. Não preciso fazer nada além de esperar os dias passarem. Só lendo livros e ouvindo rock and roll. Tomando umas cervejas, fumando uns cigarros e dormindo. Só ficar deitado por ali vendo umas porcarias na televisão. Fumando uns cigarros na janela e bebendo nuns botecos sujos. O preferido e mais barato é o bar do China. Um bar pra lá de sujo e mal frequentado que tem como dono um chinês de poucas palavras.
O domingo ainda continua sendo uma merda. Não conseguia beber nem fumar na ressaca. Parecia tudo mais difícil. Comer, dormir, andar e viver. Até escovar os dentes se tornava uma tortura. Decidi andar por aí. Chamei o elevador e fiquei lá esperando. Alguém estava segurando no andar de cima e demorava pra descer. Um tempo depois chegou. A porta se abriu e eu entrei. Um homem balbuciou algo que parecia uma saudação pra mim. Grunhi de volta. Olhei mais atentamente e só então me dei conta de quem era. O próprio chinês dono do bar. Parecia diferente sem o avental com o nome do boteco bordado no peito. "Nove dragões" e a figura de um dragão meia-boca. Era o símbolo e o nome do bar, popularmente conhecido só como China. Continuava sendo um cara de poucas palavras. Imaginei se ele morava ali também ou se só estava visitando alguém. Alguns chineses estranhos moravam naquele prédio e falavam sua língua no elevador, só respondendo um oi ou tchau num português cheio de sotaque oriental. A maioria deveria vender muamba nas dezenas de pequenos shoppings de mercadorias ilegais que ficavam ali por perto. O elevador chegou ao térreo. O China ainda ia descer até o subsolo. Saí do elevador sem falar nada. Ele também não disse. Não era um cara amistoso e nem queria fazer amizade com clientes. As poucas palavras que troquei com ele nos quase 6 meses em que frequento o bar semanalmente foram "traz mais uma china" e "quanto ficou?". Exceto uma vez em que também com poucas palavras negociei dois salgados pelo preço de um enquanto ele fechava o bar no final de uma madrugada qualquer as palavras trocadas eram sempre as mesmas. Nem mesmo um obrigado e um volte sempre o chinês falava. Achei aquilo legal. Ele vendia a cerveja mais barata da região e não precisava ser simpático com ninguém. Seu bar continuaria sendo mal-frequentado e todos que não se importam com o chão sujo e as pessoas esquisitas e feia continuariam indo lá. Era sem dúvidas o pior bar da região e em algum tempo eu teria centenas acumulado centenas de porres tomados ali. Era um bom bar.
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