quarta-feira, setembro 17, 2008

Cadáveres ambulantes tentando fazer disso tudo algo que valha a pena

Os dias na cidade grande eram uma merda. Eu era só um cara sozinho que não gostava das outras pessoas. Era um solitário que passava os dias escrevendo e dormindo. Mas ás vezes voltava para minha cidade. Nunca gostei muito de lá. Não escondi isso de ninguém. Me sentia estranho pra caralho entrando nos lugares e encontrando todo tipo de pessoas conhecidas. Eu gostava de ser um anônimo e gostava de ficar sozinho. Não suportava companhia em lugares como o supermercado. Mas quando eu voltava até lá e reencontrava alguns amigos as coisas ficavam boas. Os porres eram mais felizes e as drogas eram melhores. Até mesmo as ressacas pareciam mais leves. Gostava de estar com gente que me entendia. Eles sabiam e eu sabia também. Éramos todos um bando de cadáveres ambulantes andando por aí, só esperando a morte chegar e tentando fazer disso tudo algo que valesse a pena. E de certa forma valia.

Valia em cada texto, em cada linha e em cada palavra. Valia em cada abraço e em cada porre. Em cada lágrima e em cada sorriso. Em cada reclamação e em cada elogio. Valia mesmo a pena a cada garrafa esvaziada. A cada blasfêmia difamada. Éramos um bando de pecadores tentando ser pequenos deuses. Deuses de nossa própria existência, de nosso próprio caminho. Engolíamos verdades e despejávamos mentiras. Éramos eternas contradições. Gostava daquilo tudo. Ás vezes sentia vontade de mandar tudo se foder só por estar tudo bem. Não era acostumado que as coisas estivessem bem. Não sabia nunca como elas realmente estavam. Acho que só estavam. Simples assim.

Ás vezes eu só andava por aí. Olhava pra umas pessoas e pensava em como eram coitados ou como eram afortunados. Cada esquina uma nova aventura. Bêbado a emoção era redobrada. Andando por aí meio cambaleante, o medo da madrugada numa cidade grande e a curiosidade por tudo se misturavam num estopim de emoções. Aquele velho lance de se sentir um merda e um gênio ao mesmo tempo. Era como se eu tivesse duas personalidades ou coisa parecida. Ora achava que meus escritos eram dignos de um gênio, me sentia um poderoso escritor bebericando uísque caro em uma noite de autógrafos. Outrora caía na real e percebia que era só mais um como outro qualquer. Rasgava folhas com escritos e apagava palavras. Escondia anotações e jurava que desistiria deste sonho tolo. Mas nunca desistia, nunca mesmo. Era só algo diferente acontecer, uma tristeza se abater e um porre descer e lá estava eu novamente, martelando as teclas e escrevendo páginas e páginas de lamúrias infinitas. Não sabia onde tudo aquilo ia dar, e pra falar a verdade não estava muito preocupado com isso. Só pensava em me manter vivo. Dia após dia, noite após noite. Como o vento soprando na janela. Um cadáver ambulante tentando fazer disso tudo algo que valesse a pena.

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