quinta-feira, abril 05, 2007

Hell's Angels - Márcia Denser



"Mudando um pouco de assunto, estávamos num bar. Eu bebia vodca com suco de laranja, ele coca-cola. O problema não era propriamente a bebida, mas sim a falta de grana, explicou. A gente acostuma a não beber e também não fumar, vive-se de hamburgers e chiclete, é isso. Classe média alta paulistana, Robi estudava bastante, o colégio era um bocado puxado, tinha papai, mamãe, uma governanta romena (babá, neném) e só pensava em duas coisas: garotas e moto. E isso quer dizer que não pensava. Devaneava. Flutuava. Flanava. Fluía. Ele simplesmente existia! A frase de Nelson Rodrigues "toda mulher devia amar um menino de 17 anos" furou-me o ventre e atingiu em cheio o, digamos, coração. Depois havia lido numa revista feminina que o homem atinge sua potência máxima dos 13 aos 22 anos. Robi, com 19, estava na faixa. Ótimo. O problema nessa idade é que se pensa tanto em sexo que na hora de fazer quedamo-nos psicologicamente impotentes, em pânico. A realidade é tão besta comparada à fantasia, àquele ser esplendido que julgamos ser. Dos 13 aos 22 anos fazemos portanto muita ginástica. Física e mental. Mas nunca em sincronia, eis a questão. Nunca estamos onde devíamos estar, nunca estamos em parte alguma. A eterna dicotomia corpo e alma. E falando em dicotomia, a razão dos meus devaneios, no momento, fazia observações, aliás muito interessantes, sobre a sua (dele) conceituação de bem e mal. Para ele não existia. Porque, veja, garota, o que é legal pra mim pode não ser pra você, tudo é relativo, aquele mendigo fodido ali na esquina pode estar muito mais numa boa que nós aqui bebendo, meu pai se acha muito certo quando dá esmolas ou vai à porcaria duma missa, mas o mendigo pega à grana e vai comprar cachaça e o padre vai gastar o dinheiro nas corridas de cavalo e todo mundo então fica muito feliz pensando estar certo, era só não pensar ,porra nenhuma ou até cometer um crime que ia ter um sujeito feliz, sei lá, vai que o cadáver tivesse inimigos ou você própria morresse de tesão por sangue, tudo é um jogo, garota, o cara dança se não souber jogar; quer dizer, dança como meu pai, puta babaca, ou o padre viciado ou o mendigo da esquina... Menos você, Robi, pensei, julgando-os todos. Arquivando-os, classificando-os para poder controlá-los, dominá-los senão você se perde na floresta e começa a chorar de medo, neném. Fazendo voltar o filme do tempo, vi-me a mim própria dizendo aquelas s coisas. Com aquele mesmo ar de rarefeito desprezo: Mas, o coração é um. caçador solitário, sentenciei emocionada, Carson MacCullers tinha razão, e Flanery 0'Connor e todas essas irlandesas e irlandeses passionais, e até Faulkner, Scott Fitzgerald, inclusive você Robi, que nada sabe de nada, também com seu tacape envenenado."


Esses dias atrás conversando com uma amiga especial lhe confidenciei que gostava de poucos autores nacionais. Ela então me indagou se conhecia Márcia Denser. Não, não conhecia.
Disse que se imaginava como ela no futuro e me passou um texto de vidrar os olhos as três da madrugada.
Te devo uma Clarah. E preciso de uns livros dela.

Quem quiser conferir na íntegra vai fundo: http://www.releituras.com/mdenser_me

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