Eu costumava ter disposição pra escrever. Olha só, eu tinha
dezoito anos de idade e tinha acabado de chegar em uma cidade gigantesca.
Aquilo tudo era novo pra mim, e eu ficava meio assustado e encantando, chutando
tampinhas na rua feito um personagem do João Antônio e andando pelas ruas como
o bom e velho Arturo Bandini, acreditando que atrás desses muros cinzas e dessa
cidade cheia de gente havia algo guardado pra mim, algo em que eu podia
acreditar. Infelizmente eu estava errado. Ainda não sou velho, mas sinto que
uma parte dessa esperança já foi embora. Era uma sensação totalmente diferente.
Eu olhava para o espelho, encarava aquele rosto jovem e acreditava que podia
ser um escritor. Eu sentava em frente ao notebook e digitava com fervor,
escrevia textos gigantes, recheados de uma poesia boba e pouco inspirada,
acreditando que eu estava fazendo algo verdadeiro, que aquilo ia me levar a
algum lugar. Depois, eu relia tudo e pensava em como era horrível. Mas parte de
mim acreditava nesse tipo de coisa. Pode até parecer bobagem, mas, olha só, eu
só tinha dezoito anos de idade. Você não pensa direito com essa idade. Teoricamente,
você já é um adulto, mas na verdade você só quer focar suas esperanças. Esse é
o lado triste de envelhecer. Aos poucos, suas opções vão se restringindo a
apenas quatro ou cinco. E depois, a duas ou três. Até que enfim chegam a uma
única opção. Se você fez a escolha errada em algum momento, você se lascou. Não
vai mais adiantar rezar, e seus pais não vão estar aqui pra te ajudar. Vai ser
sorte se você tiver uns amigos. Mas acredito que é melhor não pensar nisso.
O
pessoal frequentemente me aponta como um pessimista, e não posso dizer que eles estão errados. Ultimamente,
entrei numas de acreditar que eu era uma espécie de fantasma. Do tipo que
existe, mas só alguns conseguem enxergar. E quem vê normalmente se assusta.
Muito fantasioso? É, acredito que sim. Ainda lembro das professoras do primário
dizendo que eu era criativo até demais. Eu inventava personagens, países,
histórias e situações inimagináveis. Acredito que toda criança faz isso, mas no
meu caso isso acabou se tornando um problema. De certa forma, acho que nunca
consegui encarar o mundo da maneira correta – se é que ela existe, é claro. O
que eu quero dizer é que eu nunca consegui me adaptar a este tipo de coisa.
Costumava achar que se tivesse nascido em outra época, as coisas teriam sido
melhores, mas hoje em dia até mesmo essa utopia foi por água abaixo. Quer
dizer, é claro que eu ia querer viver em outra época, ouvir boa música e ver as
garotas usando aqueles vestidos e penteados lindos, e sem toda essa chateação
de proibir isso ou aquilo outro, mas no fundo eu sei que não seria tão
diferente assim. Eu ia continuar me olhando no espelho e perguntando onde está
aquela esperança que eu tinha aos dezoito anos de idade. “Você é um merda, Rick
Nicoletti”, dizem as vozes pra mim. Peraí, eu não quis dizer “as vozes” como
nesse papo de filme de terror ou de maluco atirador de cinema, é só mesmo uma
expressão. Eu nunca ouvi vozes, mas se algum dia eu ouvir eu tenho quase
certeza que elas vão me mandar parar de choramingar e criar alguma vergonha na
cara. “Desiste desse sonho besta, seu bostinha”,
é o que eu acho que eu ia ter que ouvir. Então é melhor ficar assim, não é?
Olha só, se tu chegou até aqui e aguento esse tipo de chorumela, é porque em
algum ponto você concordou comigo, e se você concordou comigo é porque a coisa
tá preta pro seu lado também. O quão lascado a gente tá? Ah, eu não sei mesmo.
Mas eu nem quero mais viver essa vidinha chata de ir pro trabalho, pra
faculdade, pra casa, pro bar, e daí pra casa de novo, mas é exatamente o que eu
acabo fazendo durante todo o ano. Acho que não há muita opção. Será que se eu
meter uma mochila nas costas e sair por aí eu sobrevivo? Eu cresci em
apartamentos, e o máximo de contato com a natureza que eu tive foi um
acampamento meia boca com uma galera que eu conhecia, ao qual eu só fui porque
estava muito apaixonado por uma menina, que por sua vez me deu um belo pé na
bunda, o que me deixou deprimido, o que por sua vez me fez me trancar no
apartamento e beber mais, o que por sua vez também me fez escrever mais, o que
eu também achei uma grande bobagem de baixa qualidade literária. Agora entende
o que eu quero dizer? Espero que sim, porque eu mesmo não entendo, e na verdade
eu acho que nunca vou entender.
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