Eu costumava guardar cartelas de um remédio psiquiátrico escondidas
na gaveta. Eu sabia que aquilo era uma grande bobagem e que eu era muito
medroso pra tentar me matar, mas a coisa ficava ali por questão de segurança.
Esses remédios tinham sido receitados por um psiquiatra com quem me consultei
uma vez. A família havia me obrigado a visitar uma psicóloga, o que se tornou
uma das experiências mais chatas que eu já vivi. Eu ficava lá olhando para o
rosto dela e para o relógio que ficava em cima de uma mesa de canto. Ela ficava
lá, tentando arrancar coisas de mim e me fazer acreditar que a vida era bela. A
vida não era bela, e ela também sabia disso. Talvez se eu ganhasse a mesma boa
quantia que ela a cada consulta eu também poderia começar a acreditar que a
vida é bela, mas este não era o caso. Mas, voltando ao que importa, eu mantinha
as cartelas com os comprimidos por pura questão de segurança. A coisa era tão
absurda que eu conseguia pensar em usá-las de manhã, e de tarde acreditar que a
vida era ótima, pra de noite voltar a acreditar que era algo horrível. De certa
forma, pode-se dizer que a preocupação da família em me mandar a um psicólogo era
justificada. Eu era o que podia se chamar de um “louco em potencial”, ou
qualquer termo psiquiátrico equivalente a isso. Se ainda vivêssemos na idade
média, eu provavelmente teria sido queimado em uma fogueira. Não que eu fosse
virar um seria killer ou fazer alguma idiotice dessas. Eu realmente não me
importava com os outros, o que era um problema ainda maior. Eu cheguei a pensar
que essa situação ia mudar quando conheci Daisy, que era uma garota adorável,
mas Daisy também era uma incrível puta que quebrou meu coração, e eu a odeio
por isso. Quando olho para a caixa de remédios, é nela que eu penso. Não só
nela, é claro. Eu penso nela e em todas as outras garotas que acabaram comigo,
e também penso nas milhares de outras que nem me deram a chance de quebrar meu
coração. E isso dói pra burro. Mas talvez seja só algo idiota da minha parte. Como
eu disse, eu sou um louco em potencial, e esse tipo de coisa não se explica com
facilidade.
Olha só, quando eu era criança eu queria ser astronauta.
Você vê cabimento em algo assim? É claro que não. Eu também quis ser dentista e
rock star, e é claro que eu não fui nada disso. Eu acabei virando um jornalista
meia-boca, que cobre qualquer evento chato por um prato de comida de buffet ou
uns canapés e cerveja. Você realmente acha que esse tipo de coisa vai me dar um
futuro? Eu podia ficar chateando as pessoas com esse tipo de questionamento,
mas eu nunca quis isso. Normalmente, eu vou pra um bar, bebo uma ou duas
cervejas, peço uma dose de gin tônica (geralmente feita com o gin mais
vagabundo), desço mais duas cervejas e fico por ali, lendo um livro de poesias que
eu peguei em algum sebo ou ouvindo algum disco antigo no mp3. É que eu
realmente não importo, e não se importar é a forma mais cretina de existir. Ás
vezes, encontro alguns amigos ou um casal de conhecidos. “Olha o Rick
Nicoletti, que filho da puta. Esse cara com certeza tem uns problemas na
cabeça. Sabia que ele nunca namorou? Que garota suportaria um doente assim?”, é
o que eu imagino que eles falam assim que se afastam da mesa. Mas é claro que eu
estou errado. Eles não tão estúpidos como eu ao ponto de se importar se eu sou
mesmo um idiota. Aí eles pedem um prato, normalmente massa e vinho, e ficam lá
discutindo sobre a novela, sobre o que fizeram em seus trabalhos, sobre a
maravilhosa viagem para Miami ou qualquer outro lugar idiota assim, e, por mais
contraditório que pareça, eu realmente acredito que eles são muito mais felizes
assim. Eu fico lá, remoendo os pensamentos, aí volto pra casa e coloco um disco
de rock ou jazz na vitrola e fico vendo a bolacha girar a 33 rotações por
minuto enquanto meu estômago embrulha. Aí eu sento na cama e fico encarando as
pessoas, repletas de quadros de bandas de rock, filmes B e escritores de
baixa moral. Aí eu penso: “o que esses
filhos da puta estariam fazendo no meu lugar?”, e imagino que eles estariam
fazendo coisa muito melhor, e é por isso que eu tenho fotos deles nas paredes.
Imagina se alguém um dia ia colocar uma foto minha na parede do próprio quarto
ou da própria casa? Que baita bobagem. “Quem é esse narigudo aqui?”,
perguntaria um amiguinho. “Ah, é um escritor maravilhoso que fala sobre as
maravilhas de ser um pseudo suicida, mas que é um cagão pra realizar tal ato”.
Patético, pra dizer o mínimo. “E ele morreu do que, este fabuloso escritor
suicida?”, questionaria o garotinho. E o meu jovem fã, coitado, responderia já
com a voz embasbaca e morrendo de vergonha de ter metido esse pôster besta na
parede: “Ah, ele teve um ataque cardíaco”, ou alguma outra morte comum desse
jeito. "Não foi casado, não teve filhos e morreu de velhice na mesma kitnet que
morou durante a maior parte da sua vida". Ah, que merda, hein?