segunda-feira, junho 13, 2011

only the lonely

Eu costumava me sentar sozinho com uma pequena cerveja na mão enquanto ficava olhando o disco girar na vitrola e Roy Orbinson cantar para o quarto vazio. Naquele tempo eu passava muito tempo sozinho, ainda mais tempo do que passo hoje. Naquele tempo eu quase não saia do quarto, o que poderia ser muito bom ou terrívelmente mal ao ponto de eu quase enlouquecer. Pedia pizza pelo telefone e ficava esperando o entregador atrás da porta, e quando ele chegava em abria só uma fresta, sem soltar aquela corrente que prendia a porta ao batente, e pedia pra ele passar a pizza na vertical mesmo, e era o que ele fazia. É óbvio que isso fazia com que o queijo grudasse na tampa da caixa e que a pizza muitas vezes ficasse toda danificada, mas eu não queria ver ninguém naquela época, muito menos o entregador de pizza. Infelizmente, vez ou outra eu ainda precisava sair pra comprar cigarro e reabastecer a casa com cerveja, comida e outros suprimentos de necessidade. Eu me escondia entre as ruas e procurava sair num horário tranquilo, como onze da noite às duas da manhã, quando o supermercado 24hs já estava praticamente vazio. Eu colocava tudo no carrinho e corria pro caixa, e não respondia nem mesmo a menina do caixa quando ela perguntava se eu queria o tal cpf na nota. Tudo o que eu conseguia fazer era balançr a cabeça negativamente enquanto olhava pra baixo e empacotava tudo o mais rápido possível. Aí eu voltava pra casa, abria mais uma cerveja e ficava ouvindo Roy Orbinson no vinil.

Um dia o disco do Roy Orbinson quebrou. Percebi que era hora de sair de casa. Coloquei as mesmas roupas velhas que quase não saiam do armário e decidi procurar um emprego. Parei na banca de jornal da esquina e olhei os classificados. Nada parecia interessante, então amassei o jornal e o joguei no lixo.

Parei pra tomar café numa dessas lanchonetes vagabundas que ficam nas esquinas das avenidas movimentadas. Tinha pedido com açucar, mas eles só tinham adoçante. Tomei puro, enquanto pensava o que poderia ser feito do resto da minha vida. Paguei a conta e saí da lanchonete. Andei alguns passos, desviando das pessoas que caminhavam rápido e se ultrapassavam no ritmo da cidade, até que parei e vi aquele grande prédio. "RÁDIO ROLL" era o que dizia no letreiro. Decidi subir.

Na portaria, o segurança queria saber quem eu era. "Eu sou sobrinho do Dr Fernandes, vim do Rio de Janeiro pra falar com ele". Eu não tinha nenhum tio vivo, nem mesmo algum parente ou conhecido que se chamasse Fernandes, mas sabia que em toda empresa havia um deles. O segurança se sentiu muito confuso para ligar e confirmar, e como provavelmente achou que eu não oferecia perigo, me deixou subir.

Entrei no elevador e subi até o oitavo andar. Eu não sabia o que havia no oitavo andar, mas me soou como um bom número. Era onde ficavam as salas de mixagens. Perambulei um pouco por lá, até perceber que não tinha nada que me interesasse. Peguei as escadas e fui até o sétimo. Alguma espécide e escritório administrativo, também não era nada que me interesasse. Entrei no elevador novamente e desci no 10o andar. Ali estavam elas, as cabines de produção. Os locutores falavam de salas com vidros e paredes espumadas, enquanto produtores e redatores corriam sem notar minha presença. Andei mais um pouco, até achar a sala de discos. Música clássica, MPB, Samba, Trilha Sonora. Chequei as sessões até achar aquela que me interessava. "Rock and Roll, clássicos". Procurei entre alguns discos até achar e puxar um deles para mim. "Roy Orbinson, the best of". Andei com o disco procurando alguma vitrola. Um lugar daquele tamanho e não havia uma vitrola. Decidi ir até as salas de locução, onde os esbaforidos locutores falavam ao público e colocavam os últimos sucessos para tocar. Achei uma vitrola, logo ao lado da sala de um desses locutores. Coloquei o disco, posicionei a agulha e deixei tocar. Apertei alguns botões da gigante máquina cinza que estava acima da vitrola. O disco começou a tocar. Girei um botão que parecia ser de volume, e aumentei até o máximo. O som dominava todo o ambiente. Roy Orbinson cantava que só os solitários sabem como ele se sentia naquela noite. Only The Lonely soava alto e eu encarava o disco girando como costumava fazer em casa. Então, eles chegaram.

A coisa toda durou pouco menos de cinco minutos. Os seguranças me agarraram e me levaram para o elevador. Funcionários gritavam desesperados enquanto mexiam nos diveros botões da máquina. O locutor estava ainda mais esbaforido, e parecia muito sério ao falar com os ouvintes, muito diferente da disposição animada que demonstrada ter antes. "A porcaria da sua música tocou pra todo o país, seu filho da puta, pra todo o país, você tá entendendo?". Eu não estava entendendo. "Que porra te deixou entrar aqui, seu ...." e debandou a me chamar de todos os tipos de palavrões possíveis. Eu ainda não estava entendendo. Me jogaram pra fora do prédio, e disseram que eu tinha sorte por eles não chamarem a polícia. Estava me levantando quando senti algo ser arremessado na minha barriga e cair nas minhas pernas. "E leva essa porcaria daqui, seu infeliz". Era o disco de Roy Orbinson. Peguei-o com as mãos e caminhei até o mercado. Comprei algumas cervejas e uma lasanha congelada, e dei boa noite para a caixa quando saí. Cheguei em casa e coloquei o disco de volta na vitrola enquanto tomava uma cerveja devagar. Roy Orbinson era mesmo sensacional.

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