Imagino se meu irmão algum dia lesse isso. Com certeza ele repudiaria, com gentileza eu espero, ele diria talvez o mar seja tudo o que você disse, uma máquina de sonhos, um olho de vidro e assim por diante, mas mesmo que seja verdade é melhor não dizer. Hoje posso lhe contar algo que nunca soube quando vivia ao seu lado, que é um luxo ser capaz de deixar as coisas não ditas, um luxo compartilhado por poucos. Os filhos do vento e das águas não precisam nomear o que seu sangue já sabe, mas quantos podem dominar essa economia, quantos mais devem arranhar e escavar o mundo de mil maneiras diferentes só para estabelecer uma mínima conexão com suas próprias vidas. Heróis e quase heróis, as crianças sagradas intencionavam as constelações à espera, elas podem desdenhar dessa forma de suplicar ao mundo horizontal com palavras e metáforas organizadas, mas não tenho o seu equilíbrio, como tantos têm, eu não inteciono nada, não estou apto a ascender em direção à glória, então devo tropeçar entre meus extremos, devo pechinchar pelo amor que terei, fora de minha breve história particular não há paixão que me revele, como nenhuma singularidade me reivindicou então devo ceder às desbotadas políticas do ordinário, e rogar aos deuses para que eu os prove irreais, assim como eu e meu irmão costumávamos embaçar as vidraças com nosso hálito para que pudéssemos desenhar nelas com os dedos. Ele desenhava contornos para os quais eu planejava olhos complicados, e ninguém te pede para decidir qual de nossos esforços era mais signficativo.
Leonard Cohen
segunda-feira, fevereiro 21, 2011
You Do Not Have To Love Me
You do not have to love me
just because
you are all the women
I have ever wanted
I was born to follow you
every night
while I am still
the many men who love you
I meet you at a table
I take your fist between my hands
in a solemn taxi
I wake up alone
my hand on your absense
in Hotel Discipline
I wrote all these songs for you
I burned red and black candles
shaped like a man and a woman
I married the smoke
of two pyramids of sandalwood
I prayed for you
I prayed that you would love me
and that you would not love me
Leonard Cohen
just because
you are all the women
I have ever wanted
I was born to follow you
every night
while I am still
the many men who love you
I meet you at a table
I take your fist between my hands
in a solemn taxi
I wake up alone
my hand on your absense
in Hotel Discipline
I wrote all these songs for you
I burned red and black candles
shaped like a man and a woman
I married the smoke
of two pyramids of sandalwood
I prayed for you
I prayed that you would love me
and that you would not love me
Leonard Cohen
sexta-feira, fevereiro 18, 2011
Estou no céu quando você sorri
Os dias se arrastando e eu ouvindo Van Morrison e os Kinks o tempo todo. Moondance, Saint Dominic's Preview, Arthur, Lola vs The Powerman and the money go round, village green preservation society. Disco e discos e música de qualidade me animando em dias preguiçosos e sonolentos, passando o tempo inteiro no meu quarto de pensão, bebericando cervejas e andando por São Paulo, lugares incríveis, preços abusivos, garotas maravilhosas que nunca vou conhecer. É tudo um pouco Nova Iorque, é tudo muito São Paulo, e quase nada de Londrina. Sinto falta dos amigos. Sinto falta de coisas que não sei quais são. E tudo vai passando devagar e o mundo girando enquanto lembro de sonhos juvenis. Ter uma lambretta, uma jaqueta de couro e ouvir Eddie Cochran o tempo todo. Uma garota loira, ou ruiva, ou até mesmo morena, de vestido de bolinha, agarrada na minha cintura. A lambretta voando e zunindo pelas ruas desertas. Mas São Paulo não tem ruas desertas, e eu não tenho uma lambretta, e nem mesmo uma garota loira, ruiva, ou até mesmo morena. Tudo o que eu tenho são esses sonhos esquisitos e dias tediosos, mas ainda assim, fantásticos. Não sei por que razão eu sou assim. E não sei por que razão eu gosto de ser assim. Ás vezes desgosto, é claro, mas, não há nada demais. Sol e chuva o tempo todo, o verão estranho derrubando água atrás de água e a cidade virando um caos inatingível com seu trânsito e pessoas apressadas indo e voltando do trabalho, da faculdade, de qualquer lugar. Conheci uma garota, ruiva, linda de morrer. Mas ela não gosta dos Beatles. Como alguams pessoas não gostam dos Beatles? Não consigo entender. Mas ela era uma graça. Ela gosta de punk rock, e isso também é legal. Eu também gosto bastante de punk rock, mas confesso que já gostei mais. Mas ela sorri de um jeito especial, e algo acontece quando garotas bonitas sorriem pra mim. E vejo os pobres diabos que jogam xadrez ás quatro horas da tarde em praças do centro da cidade. E fumadores de crack pedindo esmolas, o centro todo decadente, todo feio, perigoso e estranho, o mais Nova Iorque que a América do Sul já conseguiu chegar. Jackie Wilson disse Reet Petite e eu estou no céu quando você sorri.
quarta-feira, fevereiro 09, 2011
"We're on a mission from God"
Coloco uma música triste do Tom Waits e fico pensando que diabos eu tô fazendo aqui de volta, aqui nessa cidade, no meio de milhões de malucos, mais um maluco, perdido, tentando encontrar o rastro de uma estrela cadente que me diga algo além de uma incerteza estranha que eu venho carregando desde que eu era só um garoto, mas afinal de contas, eu ainda sou um garoto. De volta a São Paulo, de volta a minha velha e detestável faculdade, de volta a tudo que eu não entendo e que nunca entendi (e que talvez nunca venha a entender), e tudo isso tentando encontrar soluções incríveis de ideias estapafúrdias e que provavelmente nunca serão colocadas em prática. Encontro um grande amigo por acaso na rua. Eu tava só procurando um apartamento no centro da cidade, naquele dia e nos últimos dois ou três eu tinha andando igual um maluco de cima a baixo da cidade, em vagões de metrô, em ônibus, a pé, principalmente a pé, descendo igual um maluco a paulista ao leste e a oeste, a nove de julho, a augusta, a brigadeiro luiz antonio, todas essas e mais algumas e todas as pequenas ruas também, procurando apartamentos para alugar, mas eu bem sabia que apesar do velho me bancar graças a essa faculdade terrível que eu detestava, eu não tinha grana pra um apartamento. Então eu finalmente tive que encarar a realidade e procurar umas pensões, mas isso é papo pra outra história, já que eu ainda nem encontrei um lugar pra morar e escrevo essas divagações sem sentido e sem propósito hospedado de favor na casa de um amigo de família que já avisou que de sexta não passa, e é por isso que eu tenho que correr atrás de um teto, mas como eu disse, isso é papo pra outra história. A história é que eu estava lá, na portaria, esperando pra subir e ver uma kitnet bem no centro detonado e underground da cidade, pensando que aquilo ali devia ser o mais próximo da Nova York dos anos 80 que o Brasil já tinha chegado, e de repente surge um figura de camisa social, calça preta, bota, chapéu, óculos e lenço, e eu sabia que eu conhecia aquele cara de algum lugar, mas que diabos, eu não conseguia lembrar de onde. Aí o cara para do meu lado e diz "Rick!", e tira os óculos, e era um figuraço de um amigo meu que eu tinha conhecido em Londrina há uns bons anos atrás, e que já em São Paulo o tinha reencontrado alguns anos depois também. E aí ele me disse que tava por ali, morando casado com uma namorada, e me contou suas histórias malucas e exageradas, com algumas lorotas cirurgicamente adicionadas e algumas elevações de qualidades claramente falsas, mas o lance era fingir que você tava acreditando, porque o cara era realmente bacana e se empolgava falando daquilo tudo. Elétrico, selvagem, o Joe era um cara realmente legal. Se agitava e me falava sobre as maluquices que tinha feito, como quando um dia cansado com os cíumes excessivos de sua mulher e após chegar completamente bêbado em casa, raspou todos os pelos do corpo pra tentar parar de atrair olhares nos bares e consequentemente evitar brigas com sua amada, que o bancava em seu apartamento e trabalhava enquanto ele tava por ali, vadiando comigo enquanto falavamos sobre livros de Reinaldo Moraes e John Fante. E aí ele me dizia, que sua tática de raspar não tinha funcionado muito bem, porque ainda assim algumas garotas olhavam pra ele nos bares, e eu concordava e balançava a cabeça e ria, e sacava o exagero, mas gostava daquilo tudo, porque o cara realmente sabia contar boas histórias. E aí ele sacou o celular, e mostrou uma foto de quando estava todo raspado, e aquilo era realmente feio. Sem os óculos era possível ver que as suas sombrancelhas ainda estavam ralas e visivelmente estranhas, e aí subindo a Augusta ele levantou a camisa e mostrou o peito e barriga com pelos recém-crescidos, tudo muito engraçado e estranho, e eu ria e concordava, e falamos sobre as mais diversas maluquices enquanto subíamos em direção ao bar mais próximo. E a próxima hora e meia seguiu toda essa toada, e aí eu tive que subir e encontrar outro amigo e continuar a bebendo, e pensei que, oras, pros diabos, não era de todo mal estar ali. Talvez não era de nada mal. Eu tava subindo a Augusta, passando por todo o tipo de gente estranha que lá em Londrina ia chamar atenção e causar no mínimo uns olhares tortos, muitos olhares tortos, mas aqui não tinha nada disso. Um mendigo usando um vestido, uma mulher gorda usando roupas com pompons, blusa curta e botas altas como as dos caras do Kiss, e mais um monte de gente diferente. E eu fiquei lembrando que lá em Londrina, a ex-capital do café, a cidade provinciana que se vangloria de ser a terceira maior da região sul, naquela cidade de quinhentos mil habitantes e só umas dezenas de almas pensantes eu também era um cara estranho, de calças jeans justas, camisetas dos Ramones, cabelo comprido, bebendo em botecos sujos com outros caras também muito estranhos, ouvindo discos que eles provavelmente achariam ser o som de uma abdução ou o fim da boa era da juventude, lendo livros que eles provavelmente considerariam depravados e vendo filmes dos quais eles se levantariam e sairiam da sala de cinema antes da primeira meia-hora, se esses filmes já tivessem sido exibidos na cidade algum dia. Que coisa era aquela. Talvez eu estivesse em casa. Sem rumo, sem casa, mas com alguma grana, alguns amigos, acho que ainda tinha um jeito de dar um jeito na vida. Tudo o que eu tinha que fazer era continuar com o copo cheio e a cabeça no lugar. E de preferência o resto do corpo também. Minha missão estava só começando.
domingo, fevereiro 06, 2011
on the other side of town
our crossed ways
has passed.
nowadays
all we got
is memories.
now you're on the other side of town
and i'm here all alone
thinking about
the old times.
I cry when I listen
some great song.
I wonder what you're doing there
in your side of town.
hope you never forget me
cause I won't.
at least, not now.
has passed.
nowadays
all we got
is memories.
now you're on the other side of town
and i'm here all alone
thinking about
the old times.
I cry when I listen
some great song.
I wonder what you're doing there
in your side of town.
hope you never forget me
cause I won't.
at least, not now.
sábado, fevereiro 05, 2011
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
Fante
every now and then it comes back to
me,
him in bed there, blind,
being slowly chopped away,
the little bulldog.
the nurses passing through, pulling
at curtains, blinds, sheets.
seeing if he was still alive.
the Colorado kid.
the courage of the American
Mercury.
Mencken’s Catholic bad boy.
gone Hollywood.
and tossed up on shore.
being chopped away.
chop, chop, chop.
until he was gone.
he never knew he would be
famous.
I wonder if he would have given
a damn.
I think he would have.
John, you’re big time now.
you’ve entered the Books of
forever
right there with Dostoevsky,
Tolstoy, and your boy
Sherwood Anderson
I told you.
and you said, "you wouldn’t
shit an old blind man,
would you?"
ah, no need for that,
bulldog.
Charles Bukowski
me,
him in bed there, blind,
being slowly chopped away,
the little bulldog.
the nurses passing through, pulling
at curtains, blinds, sheets.
seeing if he was still alive.
the Colorado kid.
the courage of the American
Mercury.
Mencken’s Catholic bad boy.
gone Hollywood.
and tossed up on shore.
being chopped away.
chop, chop, chop.
until he was gone.
he never knew he would be
famous.
I wonder if he would have given
a damn.
I think he would have.
John, you’re big time now.
you’ve entered the Books of
forever
right there with Dostoevsky,
Tolstoy, and your boy
Sherwood Anderson
I told you.
and you said, "you wouldn’t
shit an old blind man,
would you?"
ah, no need for that,
bulldog.
Charles Bukowski
quarta-feira, fevereiro 02, 2011
Ali acabava tudo
Ali acabava tudo. Todos na mesma noite. Tudo o que havia significado algo para aquela garota, juntos, numa boate mediana de uma cidade mediana no norte do Paraná. Ela também era uma garota mediana, mas ela tinha algo. Deus sabe que ela tinha algo. Qualquer um que a visse, ou que falasse com ela, ou que sentisse aquele sorriso e aquelas palavras ditas devagar e repetidamente saberia disso. Ela era demais. Ela era mais que demais, e eu sabia que meu coração pulava e minha garganta fechava quando eu a via. Eu sabia disso muito bem. Eu sabia disso extremamente bem.
Ali estávamos eu, apenas um garoto que ela tinha conhecido e se relacionado por pouco tempo. Mas bom, é melhor começar pelas partes mais importantes. Então ali, naquela casa noturna, naquele antro horrível de músicas ruins e pessoas fúteis, estava seu ex-namorado de três anos, o rapaz que a tinha feito mulher, o rapaz que a tinha ensinado o pouco que sabia sobre a vida, o rapaz que era um completo idiota (segundo contara meu amigo que tinha estudado com ele e reprovado o fato de este ter passado no vestibular com cotas para negros, não sendo negro). O outro rapaz, era seu atual namorado. Bom, até onde eu sabia, ela o tinha conhecido através de seu ex-namorado, o que foi citado anteriormente. Eram amigos, até a derradeira fase em que ela terminou com o primeiro e namorou o segundo. Mas no meio disso, tiveram alguns garotos. E no meio de alguns garotos, estive eu. Essa é sem dúvidas a parte menos importante, e também é sem dúvidas, a parte mais importante. E como eu estou contando a história... bem, se torna importante.
Talvez eu fosse aquele com o futuro mais incerto dali. Um seria médico, o outro provavelmente já trabalhava, e bom, ele tinha uma namorada. E eu nem sabia escrever direito. Eu não era um romancista, eu não era um poeta, eu não era um jornalista. Que diabos eu tava fazendo por ali? Porra, eu nem imaginava. Eu não gostava do tipo de música que tocava por ali. Eu não gostava de lugares lotados. Eu não gostava de dançar. Eu não sabia dançar. A bebida era cara e não se podia fumar. Que diabos eu tava fazendo ali? Ninguém podia responder. Nem mesmo eu. Mas algo naquela garota me fazia querer pular em todas as direções, tentar voar ou inventar novas palavras para o frio na barriga e a boca seca e o coração acelerado que eu sentia quando chegava perto dela. A minha vida era um bocado estranha. Eu estudava jornalismo mas eu não queria ser jornalista, eu queria ser escritor mas não escrevia, eu queria ser cineasta mas não sabia mexer em uma câmera, eu queria ser um astro do rock mas eu não sabia tocar mais que duas ou três notas muito mal-tocadas. A vida era um bocado estranha por aqueles tempos. Em breve eu deixaria Londrina, minha cidade natal, cidade dos meus pais, cidade onde passei a maior parte da minha vida, e voltaria pra São Paulo, a maior cidade do Brasil, a maior cidade da América latina, e eu era só um garoto caipira que não conseguia ter uma garota e que não conseguia fazer algo de importante de sua vida.
Ali, naquela casa noturna, naquele antro de idiotas, eu pensava em tudo aquilo e pensava em músicas dos Beach Boys dentro da minha cabeça. Aquele não era um lugar pra mim. Consegui uma carona e fui pra casa. Servi uma dose de uísque e terminei de ler Pergunte Ao Pó, de John Fante. Tinha salvado o último capítulo para um momento especial, e aquele era um momento especial. Aquele era meu livro preferido, e pela primeira vez eu o estava lendo em sua versão original na língua inglesa. Agarrei forte as páginas do livro e chorei feito uma criança quando Arturo Bandini jogou uma cópia de seu livro no deserto do Mojave dedicada a sua amada Camilla Lopez. Aquele era pra mim o livro mais belo já escrito, e John Fante era o escritor mais fantástico que já havia pisado nesse mundo horrível e cheio de coisas más. Fante tinha coração. Fante sabia mexer com os sentidos, com a vida, com as emoções. John Fante. F-A-N-T-E, como diria Bukowski. Eu queria ser John Fante. Eu imaginava como Fante teria sido, o que teria feito de sua vida, e chorava ao pensar em sua velhice, sua cegueira e suas duas pernas amputadas em seus últimos anos. Fante era um guerreiro. Eu queria ser John Fante, eu queria ser Arturo Bandini! Oh, eu o amava demais. As palavras fluíam quando se falava de Fante, quando se escrevia sobre Fante. E o que eu realmente queria era ser um escritor. Eu gostaria ter uma grande história de amor como Pergunte Ao Pó, nem que ela não terminasse tão bem assim. Mas a única história que eu tinha, era sobre ter me apaixonado de verdade por uma garota entre seu primeiro e segundo namorados, e eu não era mesmo tão notável. Nós nem mesmo tínhamos nos conhecido mais intimamente, se é que se pode dizer assim. Eu era um completo idiota, e sentia isso sufocando minha garganta e pulando em meu peito feito foguetes voando em direção a lua. Recostei na cama e dormi. Amanhã seria outro dia.
Acordei, de ressaca. Pensei em tudo o que tinha feito na noite anterior. A noite não tinha sido boa. Me lembro de ter ido até a garota. Me lembro de ela dizendo que me amava, mas como um amigo. Ela não disse “como um amigo”, mas eu podia entender pela entonação de suas palavras. Lembro de ela ter dito de que eu era uma grande garoto. Eu não era um grande garoto. Na verdade, em comparação com seu antigo e atual namorados, eu era, pelo menos na altura. “Você só namora tampinhas?”, perguntei, tentando me passar por superior. Eu não era superior coisa nenhuma. Eles a tinham conquistado. Eles a tinham possuído. Eu tinha chorado em seu colo diversas vezes. Eu tinha feito declarações estúpidas de amor. Ela riu e me ironizou com um “Altão!”. Rimos juntos. Alguém a puxou para conversar. Eu estava acabado por ali. Andei até seu atual namorado. Eu estava completamente bêbado. Recostado nas cadeiras, pronto para a ação, ele mantinha sua postura de seriedade e defesa de território. Aproximei a mão e o cumprimentei. Lembro de ter dito que ele era um cara de sorte por estar com aquela garota, e lembro de ter dito que ele devia ser um cara bacana, pois ela não ficaria com um cara que não fosse. E dito que eu não tinha segundas intenções com sua namorada, quando isso era uma completa mentira. Talvez naquela hora fosse mesmo verdade. Eu não mentiria. Ou mentiria¿ Eu sei lá, pros diabos com isso. Eu tinha dito todas aquelas bobagens ali, em frente ao cara por quem eu tinha sido trocado, ao cara mal encarado com quem ela passava a noite. E era a mão dele que a acariciava, não a minha. E era ele que ela beijava e era com ele com quem ela se deitava, não comigo. Mas ele era um cara bacana, ou pelo menos tentou ser. Me disse para relaxar, agradeceu e deu um aperto de mão amistoso. Saí sem me despedir. Ela ainda conversava com alguém. Acenei de longe, ela acenou também. Talvez aquela fosse a última vez que nos veríamos. Talvez aquela fosse a última vez que meu coração bateria tão forte, que minha garganta se fecharia e que eu pensaria em conquistar o mundo para oferecer a ela de presente. Ali acabava tudo, mas eu não sabia exatamente o que era tudo aquilo. Talvez ainda houvesse esperança. Talvez as coisas fossem ser melhores. Talvez o mundo continuasse afastando e aproximando as pessoas conforme sua vontade. A minha vida ainda era um bocado estranha. Eu era um bocado estranho. Eu só pensava em coisas bonitas. Cantarolando uma música do Arnaldo Baptista e pensando em John Fante. Agradecendo a Deus por coisas pequenas. Acreditando em Deus, ou em algo superior, que olhasse por mim, que me ajudasse. Não em religiões, apenas em Deus, ou quem quer que fosse que estivesse cumprindo esse papel. Destino, vida, fé, eu não sei. Eu nunca ia saber. Talvez ali não acabasse tudo. Talvez ali acabasse só mais um capítulo. Talvez outro estivesse prestes a começar.
Ali estávamos eu, apenas um garoto que ela tinha conhecido e se relacionado por pouco tempo. Mas bom, é melhor começar pelas partes mais importantes. Então ali, naquela casa noturna, naquele antro horrível de músicas ruins e pessoas fúteis, estava seu ex-namorado de três anos, o rapaz que a tinha feito mulher, o rapaz que a tinha ensinado o pouco que sabia sobre a vida, o rapaz que era um completo idiota (segundo contara meu amigo que tinha estudado com ele e reprovado o fato de este ter passado no vestibular com cotas para negros, não sendo negro). O outro rapaz, era seu atual namorado. Bom, até onde eu sabia, ela o tinha conhecido através de seu ex-namorado, o que foi citado anteriormente. Eram amigos, até a derradeira fase em que ela terminou com o primeiro e namorou o segundo. Mas no meio disso, tiveram alguns garotos. E no meio de alguns garotos, estive eu. Essa é sem dúvidas a parte menos importante, e também é sem dúvidas, a parte mais importante. E como eu estou contando a história... bem, se torna importante.
Talvez eu fosse aquele com o futuro mais incerto dali. Um seria médico, o outro provavelmente já trabalhava, e bom, ele tinha uma namorada. E eu nem sabia escrever direito. Eu não era um romancista, eu não era um poeta, eu não era um jornalista. Que diabos eu tava fazendo por ali? Porra, eu nem imaginava. Eu não gostava do tipo de música que tocava por ali. Eu não gostava de lugares lotados. Eu não gostava de dançar. Eu não sabia dançar. A bebida era cara e não se podia fumar. Que diabos eu tava fazendo ali? Ninguém podia responder. Nem mesmo eu. Mas algo naquela garota me fazia querer pular em todas as direções, tentar voar ou inventar novas palavras para o frio na barriga e a boca seca e o coração acelerado que eu sentia quando chegava perto dela. A minha vida era um bocado estranha. Eu estudava jornalismo mas eu não queria ser jornalista, eu queria ser escritor mas não escrevia, eu queria ser cineasta mas não sabia mexer em uma câmera, eu queria ser um astro do rock mas eu não sabia tocar mais que duas ou três notas muito mal-tocadas. A vida era um bocado estranha por aqueles tempos. Em breve eu deixaria Londrina, minha cidade natal, cidade dos meus pais, cidade onde passei a maior parte da minha vida, e voltaria pra São Paulo, a maior cidade do Brasil, a maior cidade da América latina, e eu era só um garoto caipira que não conseguia ter uma garota e que não conseguia fazer algo de importante de sua vida.
Ali, naquela casa noturna, naquele antro de idiotas, eu pensava em tudo aquilo e pensava em músicas dos Beach Boys dentro da minha cabeça. Aquele não era um lugar pra mim. Consegui uma carona e fui pra casa. Servi uma dose de uísque e terminei de ler Pergunte Ao Pó, de John Fante. Tinha salvado o último capítulo para um momento especial, e aquele era um momento especial. Aquele era meu livro preferido, e pela primeira vez eu o estava lendo em sua versão original na língua inglesa. Agarrei forte as páginas do livro e chorei feito uma criança quando Arturo Bandini jogou uma cópia de seu livro no deserto do Mojave dedicada a sua amada Camilla Lopez. Aquele era pra mim o livro mais belo já escrito, e John Fante era o escritor mais fantástico que já havia pisado nesse mundo horrível e cheio de coisas más. Fante tinha coração. Fante sabia mexer com os sentidos, com a vida, com as emoções. John Fante. F-A-N-T-E, como diria Bukowski. Eu queria ser John Fante. Eu imaginava como Fante teria sido, o que teria feito de sua vida, e chorava ao pensar em sua velhice, sua cegueira e suas duas pernas amputadas em seus últimos anos. Fante era um guerreiro. Eu queria ser John Fante, eu queria ser Arturo Bandini! Oh, eu o amava demais. As palavras fluíam quando se falava de Fante, quando se escrevia sobre Fante. E o que eu realmente queria era ser um escritor. Eu gostaria ter uma grande história de amor como Pergunte Ao Pó, nem que ela não terminasse tão bem assim. Mas a única história que eu tinha, era sobre ter me apaixonado de verdade por uma garota entre seu primeiro e segundo namorados, e eu não era mesmo tão notável. Nós nem mesmo tínhamos nos conhecido mais intimamente, se é que se pode dizer assim. Eu era um completo idiota, e sentia isso sufocando minha garganta e pulando em meu peito feito foguetes voando em direção a lua. Recostei na cama e dormi. Amanhã seria outro dia.
Acordei, de ressaca. Pensei em tudo o que tinha feito na noite anterior. A noite não tinha sido boa. Me lembro de ter ido até a garota. Me lembro de ela dizendo que me amava, mas como um amigo. Ela não disse “como um amigo”, mas eu podia entender pela entonação de suas palavras. Lembro de ela ter dito de que eu era uma grande garoto. Eu não era um grande garoto. Na verdade, em comparação com seu antigo e atual namorados, eu era, pelo menos na altura. “Você só namora tampinhas?”, perguntei, tentando me passar por superior. Eu não era superior coisa nenhuma. Eles a tinham conquistado. Eles a tinham possuído. Eu tinha chorado em seu colo diversas vezes. Eu tinha feito declarações estúpidas de amor. Ela riu e me ironizou com um “Altão!”. Rimos juntos. Alguém a puxou para conversar. Eu estava acabado por ali. Andei até seu atual namorado. Eu estava completamente bêbado. Recostado nas cadeiras, pronto para a ação, ele mantinha sua postura de seriedade e defesa de território. Aproximei a mão e o cumprimentei. Lembro de ter dito que ele era um cara de sorte por estar com aquela garota, e lembro de ter dito que ele devia ser um cara bacana, pois ela não ficaria com um cara que não fosse. E dito que eu não tinha segundas intenções com sua namorada, quando isso era uma completa mentira. Talvez naquela hora fosse mesmo verdade. Eu não mentiria. Ou mentiria¿ Eu sei lá, pros diabos com isso. Eu tinha dito todas aquelas bobagens ali, em frente ao cara por quem eu tinha sido trocado, ao cara mal encarado com quem ela passava a noite. E era a mão dele que a acariciava, não a minha. E era ele que ela beijava e era com ele com quem ela se deitava, não comigo. Mas ele era um cara bacana, ou pelo menos tentou ser. Me disse para relaxar, agradeceu e deu um aperto de mão amistoso. Saí sem me despedir. Ela ainda conversava com alguém. Acenei de longe, ela acenou também. Talvez aquela fosse a última vez que nos veríamos. Talvez aquela fosse a última vez que meu coração bateria tão forte, que minha garganta se fecharia e que eu pensaria em conquistar o mundo para oferecer a ela de presente. Ali acabava tudo, mas eu não sabia exatamente o que era tudo aquilo. Talvez ainda houvesse esperança. Talvez as coisas fossem ser melhores. Talvez o mundo continuasse afastando e aproximando as pessoas conforme sua vontade. A minha vida ainda era um bocado estranha. Eu era um bocado estranho. Eu só pensava em coisas bonitas. Cantarolando uma música do Arnaldo Baptista e pensando em John Fante. Agradecendo a Deus por coisas pequenas. Acreditando em Deus, ou em algo superior, que olhasse por mim, que me ajudasse. Não em religiões, apenas em Deus, ou quem quer que fosse que estivesse cumprindo esse papel. Destino, vida, fé, eu não sei. Eu nunca ia saber. Talvez ali não acabasse tudo. Talvez ali acabasse só mais um capítulo. Talvez outro estivesse prestes a começar.
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