sábado, agosto 14, 2010
um bar escuro ao som de Muddy Waters
E você não sabe quantas canções eu cantei sozinho andando por ruas escuras e esperando alguém aparecer no meio de toda essa loucura. Eu sabia que era em vão, sempre soube, mas de alguma forma eu me enganava esperando que algo acontecesse. Eu ouvia o solo do Paul McCartney e pensava na beleza da alma das pessoas e sonhava se alguma delas pensava em algo minimamente parecido. Talvez elas pensassem, talvez todo mundo pensasse nisso antes de dormir e também tivesse pesadelos e desemprego e sonhasse em se mandar por aí com uma mochila nas costas só curtindo e esperando a velhice. Eu tava muito cansado pra divagar sobre qualquer tipo de coisa, então eu só acabava bêbado ouvindo minhas músicas de punk rock favoritas. Eu sempre tinha sido uma pessoa desse jeito, eu não ia mudar agora. Eu não podia mudar agora. Eu só pensava em descansar. Descansar de verdade, definitivamente. Descansar a droga do espírito atormentado pelos piores demônios da alma. Eu só queria mesmo era escrever meia dúzia de poemas sentado no balcão de um bar escuro e quieto com Muddy Waters rolando no fundo. Acho que isso não era pedir muito. Eu não pedia muitas coisas. Eu nunca fui muito dado a rezas. Nunca acreditei que as coisas fossem realmente acontecer. No final a gente só tinha que esperar elas passarem. Elas iam passar. Eu não era feliz, mas quem diabos era? Eu não ligava muito em ter um emprego ou um diploma. Eu tava virando um cara já, eu digo, um cara adulto, e eu ainda morava com a minha mãe e descolava uma graninha pouca em empregos ruins só pra poder beber em paz. Mas eu nunca bebia em paz. Eu não sei porque diabos eu nunca tava em paz. Será que a gente precisava morrer pra ficar em paz? Eu acho que não. Ou talvez sim. Eu sei lá. Eu só gostava dos primeiros discos solo do Paul McCartney. Eu usava uma camiseta do Neil Young e tinha botas de couro gastas mas bonitas pra diabo. Mas ninguém tava muito ligado no Neil Young ou em botas de couro gastas ou em beber uísque e falar sobre poemas estúpidos na mesa de um bar vazio. Ninguém se importava muito em jogar bilhar e tirar sarro dos acionistas. No final eram eles que estavam com as garotas, com os malditos carros importados, as casas na praia e os filhos babando no banco de trás do carro e jogando a droga de um videogame da última geração. Mas nada disso importava quando a gente tinha um livro do Kerouac embaixo do braço e ouvia o Let it Bleed dos Stones no mp3. A gente sabia mais que eles. Eu sabia mais que todos eles. Eu era um gênio, porra. Eu era mais que um gênio. Talvez eu fosse um santo amalucado e demôniaco. Talvez eu não fosse porra nenhuma, mas, whatever, eu gostava de pensar que eu era algo. Eu gostava de ficar quieto no quarto encarando um quadro dos Sex Pistols e dançando um som do Little Richard. Eu gostava de algumas coisas. Porque é que as coisas não gostavam de mim? Eu sei lá. Talvez eu nunca fosse saber. E eu não tinha mais uísque e nem tinha mais muito dinheiro. Eu devia grana pra algumas pessoas, e outras pessoas me deviam grana. Talvez fosse hora de cobrar e de pagar. Eu gosto de honrar com meus compromissos. Se um dia eu ficar te devendo uma, pode deixar que eu vou pagar. De preferência num bar escuro ao som de Muddy Waters.
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