sexta-feira, abril 09, 2010

Talvez eu conseguisse chegar lá.

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Posso dizer que ando tendo tempos realmente difíceis e a coisa não parece ir por um caminho muito bom. Já faz um bom tempo que não saio com uma garota e nem mesmo tenho alguma em vista. Talvez isso pudesse ser aliviado pelo fato de eu ter acabado de arranjar um trabalho, mas é um trabalho cretino no call center de uma empresa telefônica onde eu vou receber um salário mínimo pra ficar seis horas sentado em frente a um computador ouvindo reclamações de clientes e tentando resolver seus problemas. A garota que eu gostava já não tem dado a mínima pra mim por mais de seis meses, e eu ando ocupando passando boa parte do meu tempo assistindo filmes e ouvindo Joy Division. Eu realmente pensava que as coisas iam ser boas, mas elas já não vem sendo boas por um bom tempo. Me sinto repetitivo e via meu sonho de ser escritor ir por água a baixo.

Acho que eu posso falar do começo e dizer que eu larguei a faculdade de jornalismo depois de estudar por dois anos porque simplesmente não me sentia feliz com o rumo que aquilo tava tomando. Pra falar a verdade eu não via muito futuro em muitas coisas, e continuava não vendo nenhum futuro agora. Um emprego cretino, algumas noites solitárias e alguns filmes no dvd. Será que era basicamente a isso que eu estava predestinado? Puta que pariu. Eu lutei duro pra tentar fazer alguma coisa acontecer, mas agora simplesmente não acontecia nada. Eu costumo sair com grande freqüência pra beber, e aí fico bêbado e falo bobagens escorado nos ombros dos meus amigos e lamentando minhas velhas reclamações.

O grande problema eram as garotas. Sempre tinham sido. Na verdade o problema não eram as garotas: era a falta delas. O que será que eu devia fazer pra ter algum sucesso com o sexo oposto? Ás vezes eu indagava se era alguém muito feio, ou muito desinteressante e entediante ao ponto de não conseguir me dar bem. Mas eu realmente não me achava tão feio nem tão entendiante. Então por que a coisa toda não funcionava? Talvez eu não arriscasse o suficiente. Talvez fosse isso. Provavelmente era isso. Eu não corria grandes riscos. Eu estava acomodado em minha posição, e isso era uma merda.


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Pra falar a verdade o grande problema talvez fosse uma garota. Uma garota em especial. Ela se chamava Flávia e não dava a mínima bola pra mim há um bom tempo. E o que me deixava mais frustrado era que a coisa toda tinha começado por culpa dela. Mas pra isso eu preciso explicar desde o começo.

Ela era a melhor amiga da irmã do meu melhor amigo. Tudo seria tão simples se não fosse tão complicado. A garota é nova, tem dezesseis anos e cheia de planos interessantes. Eu to nos vinte e não tenho grandes coisas. Não que eu já seja muito velho, mas eu deveria ter alguma coisa em mente, não é? Mas eu to perdendo o ponto aqui, e isso não pode acontecer. O que aconteceu é que a garota sempre foi maravilhosa, desde os doze anos. Eu sempre via ela de longe e pensava em como ela era um arraso. Mas é claro que eu não tinha esperança alguma de que algo alguma vez fosse acontecer. Eu não tinha esperança até ela deixar escapar pra melhor amiga e irmã do meu melhor amigo que me achava bonito e interessante, ou sabe lá o que. E é claro que a informação chegou em mim rápido, e é claro que não demorou pra gente ficar junto. Nós ficamos por algumas vezes, e eu realmente me apaixonei por ela. Na época eu morava em São Paulo e ainda cursava a faculdade, e pensava que talvez fosse a distância que impossibilitasse algo a mais. Um tempo depois eu descobri que ela não tava muito na minha quanto eu tava na dela, e esse foi o primeiro pé na bunda que eu levei na nossa relação.

Demorou um tempo pra recuperar. A coisa doeu de verdade, daqueles que te derrubam como poucas vezes na tua vida. Muitas noites de lamento e bebedeira, poemas escritos e dedicados a ela (que eu obviamente não mostrei, guardando apenas pra mim) e outras bobagens depois, eu pensei que estivesse livre. Arranjei outra garota, uma boa garota, bonita, interessante e legal. Ficamos por um tempo, um bom tempo. Três ou quatro meses. Isso pra alguém como eu era praticamente uma eternidade. Nunca tive muita sorte com as mulheres, e de repente eu tava ali, três meses com a mesma garota. O problema era que essa outra garota com o tempo pareceu não estar tão interessada em estar comigo também. E nós nem mesmo tínhamos chegado aos finalmentes. Não demorou muito tempo pra gente arranjar um motivo e tudo acabar. Eu também não tinha mais muita paciência, e se não me engano dessa vez fui até eu que terminei com a garota, o que acontece raras vezes na vida de alguém como eu. E é claro que não demorou muito tempo para eu voltar para a primeira garota.

Mas como tudo na vida, a coisa não ia ser perfeita. Ficamos diversas e diversas vezes, mas ela simplesmente não estava ligando pra mim como eu ligava pra ela. E aí, aconteceu o que sempre acontece: Eu sofrendo, lamentando e deprimido, e ela vivendo sua vida com outra pessoa, ou sabe Deus fazendo o que. E essa história toda já faz um ano, ou pouco mais de um ano, e eu ainda não me recuperei.

A coisa simplesmente não funcionava como deveria funcionar. Talvez eu estivesse sob alguma maldição. Talvez eu simplesmente não soubesse como fazer as coisas. Talvez as duas coisas e mais outras que eu não sei. Talvez o mundo conspirasse contra mim. Talvez eu mesmo conspirasse contra mim. Eu não sei, e acho que nunca vou saber, mas eu sei que não tem dado certo.

E é assim que voltamos ao começo da história, onde um cara de vinte anos passa a maior parte do seu tempo assistindo filmes no sofá, ouvindo Neil Young e Joy Division, lendo um pouquinho de um livro do Jack Kerouac e trabalhando em um call center de uma empresa telefônica líder em reclamações. E na verdade essa última parte ainda nem era verdade, porque eu havia sido admito no emprego (conseguindo assim sucesso em uma entrevista pela primeira vez na minha vida, em um fantástico histórico de quinze entrevistas reprovadas para uma contratada), mas ainda não havia começado a trabalhar. A parte boa era que eu teria duas semanas de treinamentos pagos pela empresa. A parte ruim, além do emprego como um todo, era a de que eu teria que trabalhar aos sábados e domingos e folgaria apenas em escalas. E ia ser um tremendo pé no saco folgar às terças-feiras, porque posso dizer com certa propriedade de que não há muita coisa pra se fazer numa segunda à noite, especialmente se você mora numa cidade do interior do Paraná onde a maioria das pessoas dedica-se a ouvir música sertaneja e falar sobre os acontecimentos da exposição anual agropecuária.

Então eram estes e mais alguns motivos que faziam a coisa não parecer tão boa quanto deveria ser. Na verdade eu nem mesmo sabia se havia algo bom nisso tudo, em viver a vida, conhecer garotas, sair nos bares e levantar da cama de manhã. No meu caso, ao meio-dia.


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A coisa era ainda mais intrigante porque muitas pessoas pareciam ter vidas fantásticas. Ás vezes eu pensava que nada disso realmente existia, que talvez todos eles fossem tão miseráveis como eu ou qualquer outro mas que gostavam de fingir e eram realmente bons atores no que se propunham. Eu não achava muito possível que as coisas fossem boas como algumas pessoas acreditavam ser. Eu nunca havia vivido muito tempo de algo bom. E sei que tudo isso soa dramático, e até desesperador, mas era verdade. Eu também não poderia dizer que tudo era ruim. Tinha comida na mesa, casa com televisão, computador e internet, alguns amigos pra beber nos bares e falar bobagens e alguns livros e discos na estante. Algumas coisas eram boas. Algumas coisas eram realmente boas. Mas e essa coisa toda com as garotas, e com as pessoas é que era complicada. No que se resumia isso tudo? Acho que eu nunca ia saber. Eu só queria encontrar uma garota pra quem eu pudesse gravar um cd com minhas músicas favoritas para se ouvir num dia de chuva. Mas será que as pessoas ainda gravavam cds com suas músicas favoritas nos dias de hoje? Eu não sabia dizer. Eu nunca tinha tido a oportunidade de tentar. Eu não tinha tido a oportunidade de fazer muitas coisas pra ser bem sincero. Eu nunca tinha tido um jantar romântico a luz de velas, ou falado sobre o que eu fiz no ano de 1997 ou contado sobre os melhores filmes que vi no cinema sozinho pra ninguém. Eu não tinha tido muitos momentos de intimidade, e não podia dizer que conhecia muitas pessoas, tampouco que conhecia bem alguma pessoa. Isso era um bocado complicado. Escrever também era complicado. Escrever sobre minha própria vida, meu próprio fracasso, meu próprio drama, meu próprio ego inflando e explodindo bem na minha frente. Falar sobre si mesmo era chato. Acho que a coisa comigo não era tão boa como nos filmes do Woody Allen que eu gostava de assistir. E não era tão bom dizer que isso ou aquilo era complicado. Talvez eu devesse falar sobre as coisas boas. Talvez eu devesse fazer como naquele filme em que o Woody Allen cita as coisas que fazem sua vida valer a pena. O que fazia minha vida valer a pena? Não sei se eram muitas coisas. O rock and roll era uma delas. Grandes filmes como Annie Hall, 8 e ½ e Touro Indomável também. Livros do Jack Kerouac, poesias do Bukowski, hai-kais do Leminski, bibliografia completa do John Fante. Os Ramones, os Stones, os Beatles e os Beach Boys. Elvis, Fats Domino, George Harrison e Bob Dylan. Tom Waits, uísque bourbon, carpaccio, cerveja, cigarros pós-refeição, discos de lp, coleções de livros, dormir até o meio-dia, jaquetas de couro, o inverno, balas 7 belo e... garotas. Talvez algumas coisas valessem a pena. Talvez muitas coisas valessem a pena. Talvez no fim desse tudo certo. Talvez não houvesse um fim, ou talvez o fim não fosse tão ruim quanto parecia. Talvez algo se escondesse atrás das montanhas e grandes poemas estivessem se formando na minha mente. Talvez eu conseguisse fazer algo funcionar. Talvez eu me apaixonasse, me casasse e tivesse filhos e uma casa com garagem. Talvez eu me mudasse para o Uruguai e morasse no centro "viejo" de montevideo. Talvez eu nunca morresse. E se morresse seria dormindo, numa casa no campo com uma garrafa de vinho e uma boa garota ao meu lado. Talvez muitas coisas acontecessem, e talvez a maioria delas não. Talvez, talvez... talvez eu conseguisse chegar lá.

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