segunda-feira, abril 20, 2009

we don't wanna grow up

As coisas não andavam indo bem nos últimos tempos. Eu estava de saco cheio da merda da faculdade mas não podia sair, mais uma garota havia me largado e eu estava com terríveis dores de estômago que descobri serem gastrite, o que me deixava bem desconfortável para beber com o mesmo vigor de antes. Eu estava perdendo as esperanças em toda e qualquer coisa, e isso era mais do que uma verdade passando rente aos meus olhos. Não escrevia nada há muito tempo, tampouco lia, mas vez ou outra me distraia folheando um dos livros de poemas do velho Buk ou iniciando um romance do Kerouac. Não havia mais muita música em minha vida, isto é, eu não estava mais escutando tanta música quanto antes, apesar de ainda ter sempre canções favoritas em minha cabeça. Ainda haviam os Beatles e os Ramones, e minhas espalhafatosas e bêbadas leituras de poemas de Allen Ginsberg em festinhas particulares me davam alguma esperança. Mas agora não havia mais nenhuma, e eu não tinha muito o que fazer. A médica havia dito que eu deveria parar de beber por um mês, mudar a alimentação e diminuir drasticamente o número de cigarros diários fumados por dia. As coisas definitivamente não estavam indo do jeito certo, mas eu não me importava tanto com isso como já fizera em outros tempos.

Não me sentia triste, tampouco deprimido e nada comparado a outros tempos. Só tinha a real certeza de que as coisas haviam acabado e que qualquer esperança de mudar isso seria um completo desastre e uma doce ilusão temporária que desanuviaria em uma decepção marcante. Então decidi que não valia mais a pena acreditar em nada, e somente seguir em frente enquanto fosse possível. Já fazia um certo tempo que essa idéia flutuava pela minha cabeça, mas esporádicos acontecimentos me davam a esperança de que as coisas iam finalmente se acertar. Não iam, e o melhor era se conformar. Não éramos grandes poetas, nem mesmo pessoas com algo legal de se dizer. Nosso tempo estava passando, alguns de nós estavam enlouquecendo, outros estavam se conformando e melhorando sua vidinha no mundo real. Eu andava por aí com as mãos no bolso, assobiando uma música dos Stones e torcendo pra que tudo ficasse bem. Acendia um cigarro atrás do outro e já estava batendo na quantidade de um maço por dia. Não havia muito o que fazer. Gostava de encontrar com os grandes amigos, agora que morava em outra cidade a falta deles era mais do que sentida. Os dias e noites em São Paulo não me satisfaziam. A cidade com a qual eu havia sonhado durante muito tempo era bem diferente ao vivo e a cores. Com algum dinheiro no bolso e bons amigos por perto tudo poderia ser resolvido, mas não era assim que as coisas estavam acontecendo. Em Londrina também não havia grandes mudanças, mas eu me sentia melhor por ali agora. Era bom estar na companhia das pessoas, e comecei a conseguir enxergar até mesmo algum privilégio em estar perto de quem eu não gostava.

De certo modo da mesma maneira em que as coisas iam mal de um lado elas se compensavam de outro. Eu não sabia até aonde aquilo poderia funcionar, mas eu tentava seguir. Tudo o que eu devia fazer era agüentar o medíocre dia-a-dia de São Paulo, as maçantes aulas da faculdade e esperar até os finais de semana em que eu pudesse viajar e ter algum sossego. Sempre havia sido assim, agora não haveria de ser diferente.

Sentia falta de escrever. Arquitetava poemas e prosas em minha cabeça, mas não conseguia mais concretizá-los no papel. Esta tarefa antes tão prazerosa e ritualística havia se tornado uma grande dificuldade para mim. E claro que isso me incomodava. Onde é que estava aquele garoto que até uns tempos atrás sonhava em ser um grande escritor? Ele não iria cantar como o Beatle George, nem mesmo parar de beber e nem se converter ao hinduísmo como naquela música do Júpiter Maçã, mas ele ainda tinha pequenos sonhos incrustados em algum lugar ali dentro. Tinha medo de me conformar em ser um jornalista meia-boca, e me assustava de verdade a idéia de seguir essa profissão. Não que eu não goste, é óbvio que tenho certo interesse (se não tivesse não teria chegado até aqui), mas não havia nada de mágico na maneira como as coisas ocorriam agora. Colegas estagiavam em assessorias de imprensa e outros empregos aparentemente chatérrimos pra um sonhador como eu. Não haveria uma maneira de ser um Hunter Thompson nos dias de hoje. Não seria eu que seguiria os passos de um Tom Wolfe, um Gay Talese ou um Truman Capote.

Aquela coisa de escrever poemas sobre os amigos era idéia do passado. Não éramos a Beat Generation, a Lost Generation, a Blank Generation ou qualquer coisa parecida. Éramos garotos com gosto pra contra-cultura e música barulhenta e antiga, mas nosso tempo ia passar e íamos acabar sentados em cadeiras de escritório, e isso era muito deprimente. Os Ramones costumavam cantar “I Dont wanna grow up”. Nós também não queríamos crescer, e tentavamos atrasar ao máximo o doloroso processo de largar a fase de sonhos e deletérios fantasticamente empolgantes da adolescência. E eu achava que éramos anjos da noite correndo atrás de nossas próprias iluminações e alimentando a alma com livros, discos e drogas, mas não passávamos de pobres diabos suplicantes por algo que nos salvasse do terrível destino da vida adulta. Agora não havia mais esperança. Só tínhamos a algumas garrafas de bebidas no final de semana, alguns livros e discos empoeirados na estante e aos ombros uns dos outros pra podermos chorar nossas mágoas. Mas algo me dizia que no fundo, bem no fundo, ainda havia uma pequena esperança. Algo divino que nos acompanhava desde nosso nascimento, que ajudara a nos juntar ali naquela época e lugar e aprender coisas fantásticas de outros garotos como nós, que tiveram a sorte ou o azar de viver em outro tempo e transformar tudo aquilo em algo que valesse a pena. E isso não poderia morrer nunca.

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