Como vão as coisas neste país adjetivo, preferível e menos desastroso o sujeito ser apenas jornalista. Com o correr dos anos, perderá duas coisas e só duas. Embora, é verdade, propriedades que um homem só perde uma vez. O tempo e a vergonha.
Mas o sujeito vai aprendendo a se tapear. Engambela-se, se ilude e joga para dentro de si pensamentos outros. Vai empurrando a vidinha morna com a barriga.
Pior é, no país, o sujeito que, escritor, se mete a também jornalista. Aí, perderá potencial maior - o tempo, a vergonha , o talento e o estilo. Além, claro, de correr outros riscos sérios da dor inútil. Bate-lhe o envelhecimento precoce, a velhice íntima, baixa-lhe impotência, medo, mais as deformações e vícios pequenos. da classe média. Porque esse tipo de infeliz será sempre um animal bufo da classe média.Vai bufanear o tempo todo para ela - e jamais orbitar fora do alcance dela - e se iludir, ardiloso e frenético, pelos bares a dizer, só depois de bebido, que não pertence a ela.
Mas da classe média você não vai escapar, seu. A armadilha é inteiriça, arapuca blindada, depois que você caiu. Tem anos e anos de aperfeiçoamento, sofisticação, tecnologia, ah o cartão de crédito, o cheque especial, o financiamento do telefone, da casa própria e do resto da merdalhada que for moda e, meu, sem ela você não vive. Não respira, é ninguém. Ou melhor, é nada: você já virou coisa no sistema. E não pessoa. Dane-se! Futrique-se, meu bom, meu paspalho, pague prestação pelo resto da vida.
João Antônio; "Abraçado ao meu rancor"
sexta-feira, janeiro 25, 2019
quarta-feira, janeiro 23, 2019
Vênus Anadiomene
Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça
Morena de mulher, cabelos emplastados,
Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,
Com déficits que estão a custo retocados.
Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas
Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;
Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;
A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar-se à lupa...
Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
-- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.
Arthur Rimbaud
Morena de mulher, cabelos emplastados,
Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,
Com déficits que estão a custo retocados.
Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas
Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;
Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;
A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar-se à lupa...
Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
-- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.
Arthur Rimbaud
sábado, janeiro 05, 2019
sexta-feira, janeiro 04, 2019
queria ser um poeta
desses com poucas fotos, muitos versos.
desses que fazem da tristeza alegria
e do sofrimento inspiração.
queria ser um poeta
do tipo que sempre tem uma boa sacada
que não se abala com nada
que escreve versos para a namorada.
queria ser um poeta
desses de frases bonitas, palavras sábias
e que quando eu morresse
o céu da literatura fosse
minha eterna morada.
desses com poucas fotos, muitos versos.
desses que fazem da tristeza alegria
e do sofrimento inspiração.
queria ser um poeta
do tipo que sempre tem uma boa sacada
que não se abala com nada
que escreve versos para a namorada.
queria ser um poeta
desses de frases bonitas, palavras sábias
e que quando eu morresse
o céu da literatura fosse
minha eterna morada.
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