Meus problemas eram existenciais. Isso mesmo, existenciais. Eu
tinha tentado evitar ser um desses patetas que ficam pensando sobre a própria vida
durante muito tempo, mas tinha sido em vão. Agora eu era um pateta, e um pateta
tarimbado. Eu pensava que eu podia ter dado certo em alguma. “Oh, Deus, eu
deveria ter sido um advogado”, falava pra mim mesmo. É óbvio que era pura
bobagem. Eu detestava advogados e toda e qualquer burocracia. Eu só não queria
ter me metido nesse erro crasso de ter virado jornalista e de ter sonhado em
ser escritor um dia. “Seria bem melhor se eu tivesse sido um escritor, mesmo um
de merda”, era o que eu pensava. Mas talvez não tivesse sido melhor coisíssima nenhuma.
Afinal de contas, eu ainda era um escritor. Eu escrevia matérias, entrevistava
pessoas e aguentava todo o tipo de chateação naquela redação. A revisora, uma
mulher na meia idade amargurada com a vida, sentava atrás de mim e passava o
tempo todo reclamando. “Vocês estão falando muito alto, silêncio que eu quero
trabalhar!”, era o que a velha berrava. Sua voz, típica de mulheres de meia
idade que passaram trinta anos de sua vida fumando, era tão irritante quanto
seus trejeitos. E eu ficava ali, tentando fazer algumas piadas e fazer qualquer
tipo de bobagem. Colocava meus fones de ouvido e selecionava um disco qualquer.
Aí me ligava na música e ficava pensando aonde diabos eu tinha me metido. Mas
eu sabia aonde eu tinha me metido, eu sabia muito bem aonde eu tinha me metido.
Eu tinha seguido a cartilha, andando na linha, aceitado as “oportunidades”
(Deus, como eu odeio essa palavra), e tinha acabado ali. De nada adiantou ter
sido um adolescente idiota, fã de livros do Jack Kerouac e discos dos Stones.
De nada adiantou ter passado tanto tempo bebendo, tanto tempo me apaixonando e
levando fora de garotas na esperança de que aquilo me renderia um belíssimo e
original poema, de nada adiantou ter fugido da escola, ter arrumado brigas, ter
usado drogas. Eu tinha tentado subverter o sistema, mas ali estava eu, fodido
pelo sistema. Eu estava sendo fodido pelo sistema e não dava nenhum sinal de reação. A velha continuava a reclamar
atrás de mim. Seus gritos em tom lamentoso e chateador se misturavam aos gritos
do Tim Maia nos meus fones de ouvido. Pai do céu, o que eu fiz pra merecer
isso? Eu andava pensando em ir pro Rio de Janeiro. Por que diabos eu iria pro
Rio de Janeiro? Eu não sei mesmo. Só pensei que seria divertido ficar por lá,
andando pela orla e vendo todos aqueles turistas e banhistas bobos, molhando o
pé na água do mar e bebendo nos bares. Quem sabe eu não compunha uma meia dúzia
de sambas de dor-de-cotovelo e dava pra algum músico mais talentoso ganhar? Isso
poderia ser legal, pensei, é, poderia ser muito legal. Mas não era. Não ali, na
frente daquele computador antiquado, digitando meia dúzia de matérias sobre
qualquer bobagem que estivesse acontecendo no mundo. Eu não dava a mínima pro
que tava acontecendo no mundo, eu só queria andar por umas ruas desconhecidas,
ver umas garotas de biquíni e beber umas cervejas. Era exatamente isso que eu
queria. Mas eu estava muito longe, eu estava absurdamente longe de qualquer
coisa que eu tinha desejado. Eu andava xavecando uma garota pra ir ao cinema
comigo. Ela desmarcou três vezes consecutivas. Desisti e fui sozinho. “O filme
é mó bom, ainda bem que ela não veio”, fiquei pensando comigo mesmo. Mas eu
sabia que aquilo não era verdade. Eu sabia que nada daquilo era verdade.
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