sexta-feira, setembro 28, 2012

Meia dúzia de sambas na orla carioca


Meus problemas eram existenciais. Isso mesmo, existenciais. Eu tinha tentado evitar ser um desses patetas que ficam pensando sobre a própria vida durante muito tempo, mas tinha sido em vão. Agora eu era um pateta, e um pateta tarimbado. Eu pensava que eu podia ter dado certo em alguma. “Oh, Deus, eu deveria ter sido um advogado”, falava pra mim mesmo. É óbvio que era pura bobagem. Eu detestava advogados e toda e qualquer burocracia. Eu só não queria ter me metido nesse erro crasso de ter virado jornalista e de ter sonhado em ser escritor um dia. “Seria bem melhor se eu tivesse sido um escritor, mesmo um de merda”, era o que eu pensava. Mas talvez não tivesse sido melhor coisíssima nenhuma. Afinal de contas, eu ainda era um escritor. Eu escrevia matérias, entrevistava pessoas e aguentava todo o tipo de chateação naquela redação. A revisora, uma mulher na meia idade amargurada com a vida, sentava atrás de mim e passava o tempo todo reclamando. “Vocês estão falando muito alto, silêncio que eu quero trabalhar!”, era o que a velha berrava. Sua voz, típica de mulheres de meia idade que passaram trinta anos de sua vida fumando, era tão irritante quanto seus trejeitos. E eu ficava ali, tentando fazer algumas piadas e fazer qualquer tipo de bobagem. Colocava meus fones de ouvido e selecionava um disco qualquer. Aí me ligava na música e ficava pensando aonde diabos eu tinha me metido. Mas eu sabia aonde eu tinha me metido, eu sabia muito bem aonde eu tinha me metido. Eu tinha seguido a cartilha, andando na linha, aceitado as “oportunidades” (Deus, como eu odeio essa palavra), e tinha acabado ali. De nada adiantou ter sido um adolescente idiota, fã de livros do Jack Kerouac e discos dos Stones. De nada adiantou ter passado tanto tempo bebendo, tanto tempo me apaixonando e levando fora de garotas na esperança de que aquilo me renderia um belíssimo e original poema, de nada adiantou ter fugido da escola, ter arrumado brigas, ter usado drogas. Eu tinha tentado subverter o sistema, mas ali estava eu, fodido pelo sistema. Eu estava sendo fodido pelo sistema e não dava nenhum sinal de reação. A velha continuava a reclamar atrás de mim. Seus gritos em tom lamentoso e chateador se misturavam aos gritos do Tim Maia nos meus fones de ouvido. Pai do céu, o que eu fiz pra merecer isso? Eu andava pensando em ir pro Rio de Janeiro. Por que diabos eu iria pro Rio de Janeiro? Eu não sei mesmo. Só pensei que seria divertido ficar por lá, andando pela orla e vendo todos aqueles turistas e banhistas bobos, molhando o pé na água do mar e bebendo nos bares. Quem sabe eu não compunha uma meia dúzia de sambas de dor-de-cotovelo e dava pra algum músico mais talentoso ganhar? Isso poderia ser legal, pensei, é, poderia ser muito legal. Mas não era. Não ali, na frente daquele computador antiquado, digitando meia dúzia de matérias sobre qualquer bobagem que estivesse acontecendo no mundo. Eu não dava a mínima pro que tava acontecendo no mundo, eu só queria andar por umas ruas desconhecidas, ver umas garotas de biquíni e beber umas cervejas. Era exatamente isso que eu queria. Mas eu estava muito longe, eu estava absurdamente longe de qualquer coisa que eu tinha desejado. Eu andava xavecando uma garota pra ir ao cinema comigo. Ela desmarcou três vezes consecutivas. Desisti e fui sozinho. “O filme é mó bom, ainda bem que ela não veio”, fiquei pensando comigo mesmo. Mas eu sabia que aquilo não era verdade. Eu sabia que nada daquilo era verdade. 

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