Deus do céu, que dias mais entediantes aqueles! O sol batendo forte lá fora, o calor me matando aqui dentro e minha garota e meus amigos lá longe, lá de onde eu sempre quis sair e onde eu resolvi querer voltar. Mas eu não posso voltar, oh não, não mesmo. Por mais que eu queira, eu ainda estou preso nessa merda toda. Uma cidade gigante sem nada que preste. Demônios me perseguindo pelas ruas. Esses malditos bares sujos de cerveja cara e gente estranha. Acendo um cigarro e vou pra aula. Deus do céu, quanta bobagem, quanta bobagem. Jornalsitas não precisam de diploma. Mas lá vou eu. Aula após aula. É um saco. Na real. Um saco.
Ainda tenho discos, livros e seinfeld. Os dias todo vendo seriados, dormindo e acordando tarde. Fumando cigarro atrás de cigarro. Tendo terríveis dores de estomacais. Vai passar, vai passar. Passou. Mais uma cerveja. Vejo mais um episódio de Seinfeld. Que seriado genial. Me contorço de tanto rir. Não é pra tanto, mas me divirto um bocado. Passo boa parte do tempo naquela cama. Quase todo o tempo naquele quarto. Um pouco do tempo naquela maldita faculdade, na presença de dezenas de chatos e algumas poucas pessoas que valem a pena. Sou um reclamão, um preguiçoso, um crápula. Não quero ser um jornalista, quero ser Hunter Thompson! Mas sou eu mesmo, e como sempre, isso é aterrorizante pra valer.
Então eu tava lá, entrando na faculdade pra mais uma maldita aula quando alguém chama por mim. Não pelo nome, mas alguma coisa do tipo "moço, moço!". Só deduzi que era comigo depois de algum tempo que a garota estava chamando. Dificilmente alguém vai me chamar nesses lugares. Não sou tão notável a esse ponto, e nem quero ser. Mas dessa vez era comigo. A garota perguntou meu nome e minha idade, eu falei. Não entendi direito aquilo. Eu não era tão bonito ao ponto dela querer me xavecar assim, ás sete horas da noite, na principal avenida de São Paulo e logo na entrada da faculdade, com centenas de outros jovens no mínimo mais interessantes que eu (na verdade não, mas no conceito imbecil da maioria das garotas provavelmente sim). Mas é claro, ela não queria nada desse tipo. "Você ta interessado em participar dum comercial da Doritos?" "É, como assim?". "A gente está procurando pessoas com o seu estilo 'moderno' pra participar de um comercial". Foi ela citar as palavras "estilo" e "moderno" pra eu me contorcer e ter vontade de sair correndo dali o mais rápido possível. Mas tudo bem, me controlei e tentei amenizar a situação da melhor maneira. Era só fingir estar interessado, pegar o cartão que ela estava estendendo na minha frente e me mandar dali. "O cachê para figurante é de dois mil reais, e para ator principal quatro mil." Deus do céu. Dois mil reais pra ser figurante. A coisa mudava de sentido. Como um bom vagabundo que sempre sonhou em ganhar dinheiro sem fazer muito esforço eu me sentia como um abençoado. A garota me deu o cartão e as cordenadas de dia e hora para o teste. "Eu apareço lá, a gente se fala". Não deu nem cinco minutos que ela se foi e eu me esqueci de seu nome e da hora que eu devia estar lá. Mas tudo bem, no cartão há o endereço e telefone da agência e isso não deve ser um grande problema.
Subi pra aula e fui fumar um cigarro. Enquanto isso pensava em como seria ótimo ganhar dois mil reais por mês trabalhando apenas uma vez. Seria um sonho. Ou continuar fazendo o mesmo que eu sempre fiz, mas ganhando dois mil reais. "Estilo moderno". Deus do céu. Eu só peguei a primeira roupa que vi na minha frente. Estava com uma calça fedendo a cigarro a vários dias, e quase todas as minhas roupas estavam no canto do quarto reservado para a roupa suja. A diarista não aparecia há umas três semanas e eu me virava como podia. Ai de repente aparecia essa moça me dizendo que eu tinha 'estilo moderno' e dizendo que eu poderia ganhar dois mil reais pra participar do comercial de um salgadinho que eu odeio. Era bom demais para ser verdade. Mas ainda havia o teste de casting, e eu não fazia idéia de como isso funcionava, mas imagino que deve ser algo como uma entrevista, mas avaliando os seus aspectos físicos e dramatúrgicos (se é que existe isso pra um figurante de comercial de salgadinho). E bom, meu histórico em entrevistas não me deixava muito confiante quanto a isso. Até agora eram muitas entrevistas e nenhum emprego conseguido. Mas talvez a vida poderia estar sorrindo novamente. Nunca se sabe o que vai acontecer quando você virar a próxima esquina, por isso nesse mundo de 'estilo moderno' é bom estar sempre bem vestido, ou sempre embriagado.
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